Ocorre hoje nas universidades brasileiras um inexplicável retrocesso democrático. Antes palco de debates brilhantes e efervescentes e berço de ideias transformadoras e libertárias, a academia tranca-se em um círculo vicioso e perigoso, dando às costas aos cidadãos. 

Nos campi das universidades, a democracia deve pulsar na criação intelectual e no debate político, científico. São direitos que devemos defender sempre, a ferro e fogo se preciso for, pois trata-se de garantir liberdades individuais e coletivas. Entretanto, jamais podemos perder de vista que uma universidade é uma célula da sociedade. A ela deve retorno e respostas. À sociedade deve servir em suas demandas essenciais.

 

A comunidade universitária, formada de alunos, professores, funcionários e técnicos administrativos em educação, necessita ter participação na escolha de dirigentes comprometidos com a educação, a pesquisa, o ensino e a extensão em toda plenitude. Não significa, contudo, que tenhamos de nos dobrar a uma espécie de ditadura interna. 

Uma universidade deve atender aos interesses do coletivo, do Estado, dos cidadãos, todos eles, sem qualquer ideologia ou tendência partidária. Dentro dela, todas as ideologias e tendências partidárias precisam e têm que se manifestar livremente. Daí a aparelhá-la a uma distância abismal. Além de ser algo inaceitável. 

Hoje, algumas importantes universidades do Brasil trilham retrocesso. Alunos sofrem as consequências de gestões incompetentes, sem transparência e cravadas em interesses partidários. Um mau reitor imposto pela comunidade universitária, sem debate e participação de outras forças sociais, impõe suas vontades e convicções por meio de apadrinhamentos e favores políticos. Assim, uma célula criada e mantida pela comunidade para a ela servir, simplesmente ignora as necessidades dos cidadãos, curvando-se a interesses escusos.  

Exigimos respeito à liberdade, tolerância, exercício da solidariedade humana, pleno desenvolvimento do educando, preparo ao exercício da cidadania, qualificação para o trabalho e formação. Queremos uma universidade formadora e transformadora; viva, pulsante, inquieta, crítica. 

Para tanto, temos que rever imediatamente os processos de eleição de reitores. Tal cargo exige liderança, conquistada ao longo de sua vida, pelo testemunho do trabalho. A meritocracia deve ser contemplada, assim como a produção científica. Porém, não é isso que acontece habitualmente.

Os bastidores da educação universitária precisam ser passados a limpo. Não dá para continuar querendo gerir a formação e a educação da Nação em moldes forjados nos anos 60, quase seis décadas atrás. O mundo mudou, tudo mudou, o planeta e as pessoas são outras. 

O ideal é que o reitor seja indicado por uma comissão externa, escolhida por instituições sólidas da sociedade civil. Seria apresentada uma lista tríplice e a comunidade universitária definiria por votação. Prevalece dessa maneira o interesse da comunidade, dos cidadãos, não os de pequenos grupos, sem ferir a autonomia universitária.

Quando no exercício do cargo, é essencial contínua fiscalização, visando coibir distúrbios de gestão, de modo que a universidade não vire instrumento a serviço de grupelhos. No corporativismo, a troca de favores é hábito, o que compromete o desenvolvimento de um trabalho sério em prol dos alunos, de toda a comunidade acadêmica e mais ainda da coletividade. 

Não podemos perder, por irresponsabilidade política e omissão, mentes brilhantes. Uma vez que em algumas universidades, também pululam mentes medíocres, precisamos de ferramentas sérias para separar o joio do trigo. 

É preciso comprometimento; não apenas bater o ponto, como acontece em muitas universidades hoje. O esvaziamento dessas instituições de ensino é uma triste realidade e conta com dois motivos: falta de recursos e absoluta carência de gestão competente, agregadora, motivadora.

Criar órgãos fiscalizatórios, estabelecer meios de fato democráticos de eleição, entre outras medidas são ações urgentes. Até porque a universidade é da comunidade, é do país. E são esses interesses maiores que devem ser preservados e garantidos até o fim.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

*Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo em 27/02/2016