Nas últimas semanas, o caso que ficou conhecido como o da “médica de Curitiba” ganhou bastante repercussão na mídia. Virgínia Soares de Souza, chefe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, está sendo investigada por suspeita de homicídio qualificado pela Polícia Civil do Paraná. Ela é acusada de ordenar a antecipação de mortes de pacientes na UTI e se encontra detida durante as investigações. Fica difícil arriscar um parecer sobre o episódio, pois só a Justiça tem dados suficientes para fazê-lo. Entretanto, estão colocados em debate novamente aspectos éticos envolvidos em qualquer decisão relacionada à terminalidade da vida. No Brasil, e em qualquer parte do mundo, os médicos se deparam frequentemente com situações conflituosas. Boa parte delas envolve aspectos éticos, profissionais, religiosos e jurídicos. Entre eles merece especial menção a ortotanásia,  chamada também de morte suave, sem dor.



Faz pouco mais de um ano e meio, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou por unanimidade Resolução abordando a suspensão de procedimentos e tratamentos que permitem o prolongamento da vida em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis. Preocupado com a ortotanásia e conhecedor da prática médica, o CFM definiu limites para a atuação do profissional de medicina nos casos em que o prolongamento da vida do paciente implica em sofrimento e tem prognóstico fechado.

É preciso registrar, porém, que de acordo com a jurisprudência, o paciente tem direito a tudo, ou melhor, a quase tudo. Tem direito à vida, mas não pode escolher como deseja morrer.

Diversas vezes nos pronunciamos para apoiar a decisão do Conselho Federal. Porém, sempre alertamos os médicos de que o código penal do Brasil não acompanha a evolução da medicina. Portanto, a Resolução CFM ainda pode dar espaço a inúmeros problemas.

Segundo nosso código de leis, a decisão do CFM não pode ser aceita no campo da legalidade, pois coloca o médico em risco judicial. As esferas civil e penal têm muito mais força do que qualquer órgão de classe. No exercício diário da medicina nos deparamos com situações clínicas irreversíveis tanto sob o ponto de vista médico, quanto ético e moral. É proibitivo deixar de dar continuidade ao tratamento, mesmo com a Resolução do Conselho.

O descompasso entre o progresso da medicina e a legislação é evidente e demonstra uma enorme ineficiência. A ciência disponibiliza aos médicos aparelhos e arsenal terapêutico de última geração, recursos capazes de prolongar a vida por longo período. Porém, há de se levar em consideração o quanto a sociedade é onerada, além do desgaste emocional de familiares, e até mesmo o sofrimento do doente.

Considerando que “não se justifica prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano”, o Conselho Federal de Medicina, publicou a resolução 1995/2012. Este documento versa sobre a validade do Testamento Vital, e define três questões: a decisão do paciente deve ser feita antecipadamente, isto é, antes de ingressar na fase critica; o paciente ao decidir deve estar plenamente consciente; sua manifestação prevalece sobre a vontade dos parentes e dos médicos que o assistem. O desejo do doente, registrado em cartório, acaba por dispensar tratamento inútil, agressivo, oneroso à sociedade, e evita a dolorosa distância da família.

Faz-se necessário que o judiciário se modernize. Talvez seja o caso de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para agilizar uma solução para o problema. O Brasil precisa que leis acompanhem a evolução na medicina.

Antônio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica