Abrão Cury Jr. é mestre e médico assistente da Disciplina de Clínica Médica da EPM/Unifesp. Também atua como Clínico e Cardiologista no Hospital do Coração, em São Paulo (SP). Em 2020, passou a integrar a diretoria plena da SBCM. Em entrevista, ele traça um panorama sobre a pandemia e reforça a importância da atuação do Clínico nesse cenário.

Como o senhor avalia o papel do Clínico na pandemia de COVID-19?

A COVID-19 é uma patologia múltissistêmica, isto é, acomete vários órgãos e sistemas, a partir de uma infecção inicialmente decorrente da contaminação de um vírus específico, o SARS-COV-2. Não se trata de uma patologia que acomete especificamente um órgão ou sistema. É uma doença multifacetada. Nesse sentido, o modelo da COVID-19 praticamente exige a participação de um Clínico no acompanhamento dos pacientes.

Ela transcorre ao longo de pouco tempo com acometimentos que vão desde o sistema respiratório, até o sistema circulatório, não deixando de colocar em risco o sistema digestório e o sistema neurológico. É muito importante compreender que, para cada alteração apresentada, se formos depender de um especialista, o paciente em um curtíssimo espaço de tempo iria precisar quase do equivalente há um time de futebol para cuidar da sua saúde. É aqui que o Clínico bem formado tem papel fundamental. Isso não significa, claro, que nos casos em que houver necessidade de diálise, por exemplo, não seja necessária a intervenção do nefrologista. E assim por diante.

Quais os diferenciais desse especialista no atendimento aos pacientes?

A COVID-19 é uma patologia que exige a atuação de um médico com formação clínica adequada e esse médico, na imensa maioria das vezes, poderá dar seguimento ao paciente e otimizar o resultado do seu tratamento. De forma geral, o Clínico acaba sendo o médico de confiança da família e o responsável pela orientação adequada aos pacientes, não somente sobre a infecção pelo SARS-COV-2, mas também sobre as diversas queixas que apareceram durante a pandemia. Cabe ao médico dar suporte inclusive emocional ao paciente e aos seus familiares em todas as situações.

Além da própria infecção pelo novo coronavírus, o isolamento aumentou a ocorrência de transtornos de ansiedade. Qual o papel do Clínico no manejo desses pacientes?

O Clínico bem preparado poderá dar esse suporte do ponto de vista psicológico. É claro que hoje nós vivemos momentos de ansiedade, de angústia, de estresse permanente em decorrência do receio de contrair da doença, ou por conta do isolamento e do confinamento domiciliar. Nesse sentido, torna-se imprescindível a relação de confiança entre o médico e o paciente e seus familiares.

Como o senhor avalia a prática da Telemedicina sob olhar do Clínico?

A Telemedicina é um avanço na relação médico-paciente que, sem dúvida, veio para ficar. No entanto é preciso entendermos que há grandes restrições que devem ser consideradas. Uma primeira consulta via Telemedicina, no meu ponto de vista, é praticamente impossível. Não se pode entender verdadeiramente a situação do paciente quando não há olho no olho que permita a anamnese adequada. À distância, é impossível captar a linguagem corporal e realizar o exame físico que é absolutamente indispensável na enorme maioria das vezes. É claro que o atendimento à distância é viável para algumas situações, sem muita chance de transgredir o que entendemos como necessário em uma boa relação médico-paciente. Vale, por exemplo, para análise de exames subsidiários já previamente solicitados, ou para a emissão de opinião a respeito dos achados nos exames. Além disso, pacientes com mais idade, têm em geral mais dificuldade de lidar com a tecnologia, o que inviabiliza o processo. De qualquer forma, vejo a Telemedicina como uma conquista dos tempos atuais, mas recomendo cautela na aplicação de forma indiscriminada.

Além das dificuldades financeiras provocadas pela pandemia, muitos Clínicos têm relatado sobrecarga e condições inadequadas de trabalho. Como o senhor avalia a situação física e mental desses especialistas?

Os impactos da pandemia atingiram diretamente a todos os médicos. Em relação aos Clínicos que atuam na linha de frente, é evidente que atuam sob muita pressão, porque estão tratando de paciente acometido de uma doença nova, com várias nuances e um potencial de gravidade muito elevado. Nós sabemos que mais de 90% dos pacientes contaminados pelo vírus não vão ter nenhuma complicação maior. Boa parte até vai passar assintomática. Mas é de se considerar que os que chegam no hospital, os que adoecem são potencialmente pacientes muitos graves, pacientes que acabam adoecidos de uma infecção que teoricamente poderia ter sido minimizada se cuidados apropriados tivessem acontecido.