Estou aqui em uma reflexão sobre segurança: faço-a usando a mim e a meus familiares – mas vale a qualquer um de nós.

Chegarão logo dias em que novamente teremos a possibilidade de viajar, vez ou outra, explorar lugares, culturas, ares diferentes. Quando desta hora, e dependendo de fatores diversos, um deles a distância, a melhor alternativa será o avião. Rápido, eficaz, com excelente nível de segurança.

Agora já estamos no ar. Altitude de cruzeiro, 11 mil pés. De repente, uma turbulência. Descobrimos, tarde demais, pela comissária de bordo, que não há piloto ao manche. Com vistas a baratear despesas e “ampliar” o acesso, o comando está sob guarda de um condutor de carinho de cachorro quente – ou de qualquer incauto não habilitado.

Deus do Céu! Nem dando asas à fé me vejo enfrentando situação dessas. Há momentos na vida – todos, aliás – que profissionalismo, capacitação e destreza são indispensáveis.

Certamente, você, assim como eu, não adentraria ou colocaria familiares e amigos em um voo às cegas. De nada adianta ter bilhete de ida de graça, quando não existe certeza de que volta haverá.

Isso vale para a aviação e tantas outras áreas nas quais a vida – a nossa vida e da comunidade – depende da perícia de um terceiro, a saúde por exemplo. Indigno-me, portanto, toda vez que vejo qualquer um ofertar a poltrona de avião sem piloto profissional a outrem, sendo que ele jamais a ocuparia.

É o que tem ocorrido, com risco proporcional ou maior, com certos gestores públicos e maus políticos que conchavam o tempo inteiro para que os brasileiros vulneráveis socialmente recebam bilhete livre para Medicina sem médico.

Eles pensam que há pessoas de segunda categoria e a elas se dispõe a entregar atendimento em saúde de segunda. É inadmissível. Gente é gente, o somos e sabemos. Saúde é direito de todos. E medicina, só com médico.

A prática da Medicina é tipificada como crime no artigo 282 do Código Penal, quando exercida sem a devida formação e autorização do órgão competente ou fora dos demais limites da legislação. Ainda no arcabouço legal, a Lei 12.842/2013 especifica as atividades privativas da Medicina.

São garantias jurídico-institucionais à assistência de qualidade aos pacientes e nortes de segurança aos avanços interdisciplinares para o Sistema Único de Saúde.

Contudo, a invasão de competências específicas da Medicina não para. Mira a Ginecologia e Obstetrícia, a Dermatologia, a Cirurgia Plástica, a Oncologia, a Acupuntura, entre outras, trazendo incertezas e perigo a pacientes.

A Acupuntura, em particular, sofre ataques até mesmo no Congresso Nacional, onde tramita projeto de lei flexibilizando o exercício a não-médicos. A propositura abre a possibilidade de prática até por formados em cursinhos técnicos.

Registro que acupuntura é procedimento terapêutico invasivo. Pode ter consequências graves (incluindo óbitos), decorrentes de prática sem diagnóstico ou com diagnóstico incorreto. E provocar adiamento da intervenção adequada e/ou agravamento de quadro.

O Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura repudia – com toda razão - a catastrófica iniciativa. Nós da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, somos solidários.

Defender a boa Medicina, a saúde e a vida é o que faz de nós dignos de ser médicos. E, sem médico, não há medicina nem saúde integral e universal.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Artigo publicado no Diário do Grande ABC em 05/10/2020