Quando estava escrevendo este artigo, o Brasil registrava mais uma marca triste e constrangedora: 100 mil vidas humanas perdidas pela Covid-19. A notícia entristece a mim, a todos os cidadãos de bem, e nos remete à reflexão: como chegamos a esse ponto? A resposta está em um processo que vem de décadas.

Já se passaram 32 anos desde a Constituição Cidadã – em tese, voltada para os direitos fundamentais dos brasileiros – e a população ainda não tem acesso adequado a educação, segurança e, principalmente, saúde de qualidade. Falta de investimentos e plano de carreira, ausência de uma gestão adequada, pouco apoio para mudanças e renovações na assistência e escasso interesse na organização de redes de atendimento melhores e mais equipadas são alguns dos pontos que explicam a fragilidade da saúde no Brasil. Isso explica o motivo de o SUS (Sistema Único de Saúde), criado também em 1988, não ter instrumentos necessários a uma boa resposta à pandemia do coronavírus.

Vilipendiado por interesses políticos e partidários de distintos governos, o sistema público manda aos pacientes a conta do descaso. O bem-estar da população está em jogo, mas nossas barreiras não são suficientes. Má gestão e carência de recursos não são mazelas exclusivas do Brasil.

Na Itália, a falta de investimentos durante os últimos dez anos afetou a operação dos hospitais e dos médicos. O resultado, infelizmente, nós assistimos nos primeiros meses de pandemia. Ainda assim, a despeito de todas as adversidades, nossos profissionais do SUS seguem dando seu máximo pela população brasileira, demonstrando a importância de um serviço universal e gratuito.

A pandemia expôs ao mundo as fragilidades de saúde, com custo altíssimo e irreparável. Os Estados Unidos, país que ocupou o primeiro lugar no ranking mundial de segurança em saúde em 2019, sentiu duramente o impacto de não possuir uma rede pública de atendimento e viu a doença avançar implacavelmente em seu território.

Por outro lado, a Argentina, utilizando de sua estrutura nacional e de um isolamento social precoce e rigoroso, soube controlar a Covid-19, mesmo sofrendo com dificuldades semelhantes ao Brasil e restante da América Latina. Aqui o problema não é a falta de recursos, e, sim, de vontade política.

Quando a vida humana é prioridade, dá-se um jeito de conseguir mais leitos, equipamentos e condições a partir do trabalho conjunto e planejado. Por isso, ouso dizer que a doença que mais maltrata a população brasileira seja o descaso com a saúde.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
*Artigo publicado em 10/08/2020 no Diário do Grande ABC