Lamentavelmente, o sistema de saúde do Brasil retrocede a passos largos. A tragédia anunciada foi ficando cada vez mais iminente quando do congelamento por 20 anos dos investimentos para o setor, aprovado em meio ao Governo Michel Temer.

Dessa maneira, praticamente condenou-se à quebradeira e a ineficácia a assistência pública. É preocupante, pois dela dependem exclusivamente cerca de 70% da população, em especial a mais vulnerável do ponto de vista social e econômico.



Os médicos, por amor a seu ofício e pelo compromisso com o próximo, lutam para manter o nível de qualidade. Contudo, não é fácil a tarefa, já que as unidades de atendimento estão sucateadas, faltam medicamentos e pessoal, não há insumos básicos, como gaze e seringas em muitos locais, os recursos humanos seguem desvalorizados e com remuneração defasada.

A agravante é que a formação foi tomada de assalto por impérios mercantis. Maus empresários da Educação vendem cursos de qualidade insuficiente, roubando até os sonhos de jovens que se dispõem a pagar mensalidades astronômicas para se graduar em Medicina e cuidar de gente.

O resultado é patente nos exames realizados pelo Cremesp nos últimos dez anos. Em teste de média complexidade ministrado a recém-graduados, a reprovação gira em torno de 60%. A avaliação mais recente, de 2018, mostra que 88% dos recém-formados não souberam interpretar o resultado de uma mamografia, 78% erraram o diagnóstico de diabete, 60% demonstraram pouco conhecimento sobre doenças parasitárias e 40% não souberam fazer a suspeita de um caso de apendicite aguda.

É constrangedor dizer isso, mas meu voto de exercício da sinceridade não deixa alternativa: estamos formando doutores que mal servem para diagnosticar uma gripe ou uma diarreia. Se imagina que chegamos ao fundo do posso, sinto frustrá- lo. Não, há mais ameaças à vista.

Tramitam na Câmara dos Deputados algumas proposituras visando liberar o exercício da Medicina no Brasil a profissionais formados fora do País, mesmo sem que eles provem estar capacitados para atender você. Um deles é o Projeto de Lei 2842/2019. Ele "altera o art. 48 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a revalidação e o reconhecimento de diplomas de graduação, mestrado e doutorado expedidos por instituições de ensino superior estrangeira”.

No artigo 4º, estabelece que “os diplomas de graduação dos profissionais do Programa Mais Médicos, ou de outro que venha a substituí-lo, e que tenham cumprido integralmente o contrato tendo sido aprovado em todos os módulos, terão direito a revalidação através da tramitação simplificada (análise curricular) pela própria Instituição de Ensino Superior no Brasil, devidamente reconhecida pelo MEC”.

Trata-se de um absurdo, um risco à saúde e à vida dos cidadãos. Uma prova de revalidação de diplomas é essencial, para nos certificarmos de que quem nos atenderá a qualquer momento é mesmo um bom médico, e não um curandeiro.

Desde seu surgimento, em 2011, o Revalida só reforça que o a qualificação dos formados fora do Brasil deve ser checada por questão de segurança. A reprovação mantém elevados índices: até 2016, 7.821 médicos participaram do processo, dos quais 47,4% não obtiveram média para aprovação. Faz-se hora de uma ampla mobilização nacional em defesa da saúde.

Como médico e professor, tenho certeza de que há remédio, mas depende de nossa capacidade de sensibilizar os gestores que vidas humanas não são brinquedo.

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Artigo publicado em 03/06/2019 no Diário do Grande ABC