O desmantelamento do Sistema Único de Saúde, SUS, segue uma trilha digna de filme de terror. Em 29 anos de existência, desde a criação pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988, vemos desvios cada vez mais inexplicáveis em uma trajetória que deveria ser de inclusão, universalização, e, principalmente, de qualificação da assistência aos cidadãos. 

A despeito de ser um modelo teoricamente quase perfeito, tido como referência em diversas partes do mundo (teoricamente, friso outra vez), o SUS, na prática, deixa a desejar em diversos aspectos.  Descaso, falta de investimento, gestão irresponsável em regra. Os reflexos são o sucateamento, o acesso restrito e filas crescentes por todo o País.



Dias atrás, em 16 de outubro, a Frente Democrática em Defesa do SUS, movimento apoiado por dezenas de entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), a Associação Paulista de Medicina (APM), conselhos profissionais de outras áreas da saúde, entre outras instituições, realizou protesto em frente à Câmara Municipal de São Paulo, exigindo responsabilidade e soluções por parte das autoridades constituídas.

Os manifestantes reproduziram simbolicamente cenas infelizmente comuns ao SUS, com macas espalhadas pela rua, cadeiras de rodas largadas com pacientes desassistidos. Houve uma revoada de balões negros em sinal de luto pela delicada situação da saúde pública. 

Protestar sempre é efetivo, uma forma de pressionar políticos e polemizar na mídia. Contudo, a passividade das pessoas que por lá passavam caracterizava um sentimento de desesperança em melhorias.

Por outro, evidencia a total falta de crença nos governantes e gestores. Iniciativas semelhantes à da Frente Democrática em Defesa do SUS trazem à tona dados concretos, De fato é necessário informar à população, por exemplo, que o Ministério da Saúde deixou de aplicar R$ 155 bilhões no SUS de 2003 a 2016, o que corresponde a 11% do orçamento destinado ao setor naquele período. Em uma conta rápida, são quase R$ 12 bilhões que a saúde perdeu por ano. 

A se lamentar ainda, a diminuição de mais de 23 mil leitos no sistema público em cinco anos. Só no campo da pediatria, de 2010 a 2016 foram desativados mais de 10 mil leitos. Levantamento da Sociedade de Pediatria, atesta que 40% dos municípios não têm sequer vaga para a internação de uma criança pelo SUS.

O cenário que se desenha à frente beira a crueldade. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Teto, que condiciona o reajuste das verbas públicas apenas à variação do IPCA nos próximos 20 anos, causará mais danos ao sistema. É sabido que a inflação na saúde é bem mais alta do que os índices gerais; assim, com essa medida, o SUS perderá recursos paulatinamente e as consequências serão um atendimento todos os dias mais precário.

Entre tantas distorções, cito as baixas remunerações aos profissionais de saúde, que fazem com que muitos se dividam em vários empregos, comprometendo o rendimento, além de perder qualidade de vida. Há também os planos de saúde de cobertura restrita (ironicamente, chamados de populares) que, se emplacarem, aliviarão as contas das operadoras e jogarão para o SUS praticamente toda a alta complexidade, os procedimentos de maior custo.

É essencial a união de todos para resguardar os princípios do SUS e criar uma rede digna de assistência. A saúde pública tem de sair da UTI o mais breve, em especial porque os mais vulneráveis socialmente só contam com ela para ampará-los.

 

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica