O exercício da medicina é uma atividade nobre, visa a assistir da melhor maneira possível às necessidades de saúde dos cidadãos, zelando por seu bem-estar. Para ser um bom médico, portanto, é essencial não somente habilidade técnica, mas, também, sensibilidade humana e inabalável ética. Fora desse escopo, toda e qualquer conduta que fira o paciente – física, psicológica ou economicamente – deve ser repudiada e condenada.

 

Faço essa ponderação em virtude das operações fraudulentas no uso e compra das órteses e próteses, denunciadas seguidamente na imprensa nas últimas semanas. Não é de hoje, algumas entidades médicas já expunham essa chaga, buscando criar regras para evitar que mais profissionais recebessem propinas, inclusive para fazer intervenções desnecessárias, prejudicando pacientes.

 

Existe uma máfia sem escrúpulos que seduz médicos corruptíveis e sem ética. Estão no mesmo saco alguns representantes comerciais, técnicos especializados nas aludidas peças, diretores de hospitais, gestores de saúde ligados ao Governo, gestores dos próprios planos de saúde e até auditores, todos embolsando comissões milionárias.

 

A tática usada é imoral. No caso dos médicos, tornou-se público que muitos recebiam por fora das empresas pelo uso dos dispositivos de órteses e próteses em cirurgias, emitindo notas superfaturadas. Também havia o esquema de certos hospitais e gestores fraudarem licitações, estabelecendo exigências que direcionavam o processo para a indústria com a qual já estavam mancomunados.

 

Segundo os artigos 68 e 69 do Código de Ética Médica, é proibido ao médico manter relações com segmentos da indústria farmacêutica e de outros insumos de saúde com a intenção de influenciar, promover ou comercializar produtos por meio da prescrição. Então não resta perdão nem guarida moral para aqueles que cedem às tentações do enriquecimento ilícito em detrimento dos pacientes.

 

Esses charlatões prejudicam o já combalido Sistema Único de Saúde, SUS, e as operadoras de saúde, que arcam com cirurgias desnecessárias ou superfaturadas em até 1000%. A consequência da roubalheira acaba sendo a falta de recursos para investir em melhorias de infraestrutura e na valorização dos recursos humanos, por exemplo. Ainda mais grave é o risco de danos irreversíveis e fatais ao qual se expõe o paciente.

 

Para coibir esses infratores, a fiscalização constante do governo e órgãos reguladores, como os Conselhos Federal e Regionais é crucial. Precisamos da união de todas as entidades médicas e da sociedade para por fim a tal prática criminosa e extirpar o mal pela raiz. Aliás, o paciente pode ser um dos melhores fiscais nessa empreitada; por isso, indicamos que denuncie qualquer problema do gênero. Com o auxilio da população, da imprensa e dos órgãos responsáveis do governo podemos e temos a obrigação de diminuir as brechas para os ilícitos, criando mecanismos de transparência às negociações.

 

Obviamente que devemos tratar esse escândalo no campo das exceções. Os 400 mil médicos brasileiros não merecem ter a imagem maculada por uma minoria imoral. Entretanto, não devemos ter a menor clemência com os corruptos de nosso meio: o lugar deles é na cadeia.

 

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica