Se alguma instância de poder oferecesse hoje um salário de R$ 100 mil para um médico trabalhar uma área remota da Amazônia, por exemplo, quase que certamente ele não iria. Talvez, um entre cem aceitasse uma proposta como essa. O que quero dizer, em pouquíssimas palavras, é que os médicos brasileiros não são mercenários, não pautam suas ações no mercantilismo, na busca de dinheiro fácil. Nosso foco é outro: é a saúde, a qualidade de vida, é trabalhar contra as mortes evitáveis. Isso porque nem uma só morte evitável merece perdão, seja quem for o responsável.

Aí está parte da explicação para o fato do governo não conseguir levar médicos para as regiões distantes e periféricas das grandes cidades.  Contudo, o remédio para esse mal não passa pela importação de médicos formados no exterior sem qualificação comprovada, sem que os mesmos se submetam à revalidação do diploma.



Aliás, a revalidação de diplomas precisa ser aprimorada. Para aprovar a entrada de um profissional de medicina graduado fora, seja ele estrangeiro ou brasileiro, não se pode apenas auferir a técnica. É necessário avaliar o perfil psicológico, a formação ética e moral. Uma série de parâmetros precisa ser analisada considerando ser um profissional de fora do Brasil que não possui nossa cultura.

Essas diferenças refletem fortemente na visão humanística da relação médico-paciente. Além dos valores serem bem distintos, especialmente no que se refere à parte técnica, é preciso aplicar uma avaliação obrigatória, como já se faz em outras carreiras.

O centro da questão da interiorização não pode ser distorcido. O ponto crucial é a questão da infraestrutura, insuficiente para o brasileiro e para o profissional de fora. Não é possível exercer medicina sem enfermeiro, cirurgião-dentista, assistente social e outros profissionais da área da saúde.

Os médicos não são mercadoria que pode ser comprada por um punhado de reais. Além disso, em boa parte dos casos, os altos salários oferecidos para atuarem em regiões distantes, nem sempre são honrados pelas prefeituras locais sem recursos suficientes.

O médico que se vende incorre na falta de ética, contraria o juramento de Hipócrates e os princípios da formação humanística. O dinheiro na prática da medicina tem que ser resultado e não objetivo do trabalho. Portanto, só quando nossas autoridades aprenderem o B e A = BA, estaremos próximos da cura. E ela apenas através da implantação de uma política de estado para a saúde, e não por meio de disputas partidárias que mudam nossos rumos ao sabor das alterações de humor.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica