O Conselho Federal de Medicina divulgou, dias atrás, a pesquisa “Demografia Médica no Brasil”. O estudo mapeia, entre outros aspectos, a distribuição profissional por estados e municípios, além da relação de médicos por habitantes. É uma ferramenta essencial para quem, de fato, pretende compreender alguns dos motivos das graves falhas do sistema de saúde do país.

Em suma, o diagnóstico indica falta de políticas públicas competentes. Os equívocos na definição de estratégias vêm da visão distorcida de parte dos gestores, que governam buscando satisfazer alianças políticas.



A ótica turva evidencia-se, por exemplo, quando uns e outros vão à imprensa defender a criação irrestrita de faculdades de Medicina e a maior facilidade na revalidação de diplomas de profissionais graduados em Cuba. Afirmam que não temos profissionais em número suficiente para assistir à população. Alardeiam que só assim superaremos a carência de atendimento em áreas remotas e de difícil acesso.

Ou se trata de um exercício de pura falácia, ou nos consideram obtusos.  Na pesquisa do CFM, fica ressaltada a existência de médicos em número adequado para a assistência à nossa população. Somos 371 mil, ou seja, cerca de 1 médico para cada 500 cidadãos.

O problema, de fato, é que muitos não recebem formação adequada para exercer a Medicina ao terminar a graduação, justamente porque o Estado aposta no ensino quantitativo, e não qualitativo. Autoriza frequentemente abertura de faculdades sem estrutura mínima, sem vínculo real com hospital-escola, sem modelo pedagógico eficaz e que tenha condições de ser aplicado, sem corpo docente de bom nível, e por aí vai. Isso sem falar que não tem coragem de enfrentar alguns maus empresários da educação, fechando escolas já seguidamente reprovadas em exames do próprio Ministério da Educação, pelo desconhecimento de que, quando um curso é ruim para 100 alunos, continua sendo para 50.

Nesse país de dimensões continentais, é mister implementar uma política de saúde proativa, e não improvisada como a atual, que visa criação de mão de obra barata. Hoje, recém-formados são estimulados a trabalhar em lugares de difícil acesso. Em troca, chegam a receber a promessa de ingresso facilitado na Residência Médica, com bônus contestáveis. É importante que se diga que o compromisso social do médico precisa existir. Porém, de outra forma para que ele devolva à comunidade o que foi investido na sua formação.

Estas residências, aliás, também deveriam ser fechadas, pois atendem apenas a interesses particulares de instituições, que economizam recursos as custas da exploração de recém-formados.

Luto há tempos contra esses absurdos. Por aproximadamente quatro anos, coordenei a Residência Médica do país enquanto diretor do Departamento de Residência e Projetos Especiais na Saúde do MEC e também como secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Médica. Foi um período que enfrentamos sem medo o problema.

O Conselho Federal de Medicina vem demonstrando excelente trabalho em defesa do médico. O estudo “Demografia Médica no Brasil” leva à conclusão óbvia: não faltam médicos no país. Faltam profissionais bem formados, em uma distribuição lógica, respeitando o Estado Democrático de Direito. É preciso acabar com este comércio de cotas de vagas de Residência Médica e investir na formação de qualidade. É indispensável oferecer remuneração digna e oportunidade de reciclagem profissional de excelência.

É indiscutível a necessidade de fixar médicos em regiões afastadas, mas este objetivo requer planejamento, investimento e, principalmente, vontade política. Não pode ser feito de cima para baixo. Necessitamos de políticas de governo criando mecanismos que contemplem esse ser humano conhecido por médico.

Somente assim a saúde no Brasil será melhor.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica