O Governo Federal desenha, neste exato momento, um decreto de lei que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições que ofertam programas de residência médica. Poderíamos imaginar que a iniciativa busca resolver problemas históricos do processo, citando como exemplo a utilização dos residentes como mão de obra barata ou a falta de preceptoria competente e comprometida com a formação de especialistas qualificados...

O Governo Federal desenha, neste exato momento, um decreto de lei que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições que ofertam programas de residência médica. Poderíamos imaginar que a iniciativa busca resolver problemas históricos do processo, citando como exemplo a utilização dos residentes como mão de obra barata ou a falta de preceptoria competente e comprometida com a formação de especialistas qualificados.

Porém, pensar dessa forma é pura ingenuidade. Especialmente se refletirmos sobre os recentes ataques ao programa de residência médica por parte de gestores que não são médicos e que, infelizmente, influenciam os destinos do ensino da medicina no Brasil. Em sua intelectualidade delirante e do alto de seus luxuosos gabinetes, tais gestores distanciam-se a cada dia das necessidades reais da educação e da saúde, ousando apresentar propostas incabíveis e tendenciosas.

O curso médico deve ter como sua principal vertente formar médicos com ensino baseado na comunidade. Para tanto, faz-se imperioso que a academia seja consultada para elaboração de currículos de qualidade. Não podemos admitir que seja verdadeira a afirmativa de “formar médicos para o Sistema Único de Saúde (SUS)”. Precisamos de uma política que valorize a residência médica por ser a melhor forma de treinamento após a graduação.

O decreto lei gestado em Brasília, contudo, não contempla tais preocupações. Para começar, cria uma correlação de forças pró-governo que enfraquece a transparência e o exercício da democracia. Também esvazia a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), tornando-a uma espécie de órgão assessor da Secretaria de Educação Superior (Sesu) do Ministério da Educação (MEC). Um exemplo: se a CNRM negar o credenciamento de um programa, caberá recurso à SeSu. Mais uma atitude de autoritarismo antidemocrático e antirrepublicano do Ministro da Educação. Isso ficou patente há alguns anos quando o Departamento de Residência Médica e Projetos Especiais na Saúde desse Ministério foi interpelado pelo então Secretário da Sesu, Dr. Ronaldo Mota, a entregar por escrito 24h antes qualquer pronunciamento que fosse direcionado à imprensa escrita, falada e televisionada. A vaidade e a prepotência imperante nesse Ministério resultaram na quebra do ENEM e do Prouni, que continua contemplando o descaso para com os alunos. 

Baseado nos ritos administrativos colocados na proposta de novo marco regulatório, descredenciar um programa será tarefa quase impossível, à semelhança do que ocorre com a intervenção em faculdades de medicina com qualidade insuficiente. O programa que não respeitar os requisitos terá que se submeter a um "protocolo de compromisso". Se não cumpri-lo será, então, instituído um processo administrativo, iniciando a partir daí um processo de protelação sem fim.

Assim estão dadas as bases da transformação do ensino das especialidades na graduação, uma máquina de produzir médicos por transbordamento, aviltando ainda mais a medicina brasileira e a população por ela assistida.

Quando estive à frente da Comissão Nacional de Residência Médica, lutei bravamente e impedi que ocorresse o desmanche agora desenhado. Portanto, continuarei opositor vigoroso de todo e qualquer ataque à residência médica.

Aliás, é bom que se frise, que uma residência médica adequada e de bom nível é um patrimônio da Nação e de seus cidadãos. Também é fundamental para a excelência de nossa medicina, além de garantia de que todos, conforme consagrado na Constituição Federal, têm direito à assistência integral e universal de qualidade à saúde.

No Brasil que sonhamos não há espaço para médicos que sejam formados para o SUS, com objetivo de atender aos mais carentes, e nem de médicos bem preparados para os mais abastados. Todos somos brasileiros e merecemos atendimento igualmente digno e competente.

 

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

Artigo publicado em 20/10/2010 no jornal Repórter Diário

Artigo publicado ~em 21/10/2010 no jornal Notícia da Manhã