Faz exatamente um mês o Governo Federal promoveu mais um descalabro, atingindo em particular os que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde. Em uma simples canetada, forneceu autorização legal para a abertura de onze novas faculdades de medicina. 

Quem vê a notícia de relance, sem se aprofundar no assunto, tem até a impressão de que pode ser algo benéfico. Afinal, o Brasil sofre sim com a carência de profissionais em áreas remotas e nas periferias. Ocorre que a permissão para o funcionamento desses cursos médicos nem de longe foca o problema da desassistência. Pior, não tem qualquer efetividade para combatê-lo e ainda estabelece cenário propício para o colapso do atendimento, em especial, como já citei, àqueles mais vulneráveis socialmente. 



Há décadas a formação em medicina vem sendo manipulada como mero negócio por maus empresários e políticos sem menos compostura. Os primeiros abrem faculdades caríssimas, com mensalidades bem superiores a R$ 10 mil, sem a mínima preocupação em oferecer educação de qualidade aos alunos. 

Assim, praticamente todos os dias, surgem escolas sem hospital para treinamento, com professores de baixo nível, sem preceptores, de grade pedagógica insuficiente e inclusive sem insumos básicos à aprendizagem. Sobre o resultado de tamanha sandice, deixo para colocar mais à frente. 

Peguemos agora o que acontece no universo da política: abrir curso médico também não possui a menor conexão com as demandas de saúde da população. A prova cabal é que diversas das cidades “contempladas” com essas faculdades não possuem estrutura para receber uma massa de “turistas” estudantes, e nem necessidade social. Há casos que chegam a ser escandalosos. Em Porto Velho, existem três escolas de medicina. Nenhuma tem um local próprio para estágio. Imagine o tipo de profissional que sai desses locais diretamente para lidar com seres humanos, com vidas.

Temos hoje no País 294 cursos médicos no País. Cerca de 80% foram criados de trinta anos para cá. Agora, explico claramente o que se dá por trás do balcão de negócios em que se transformou abrir uma faculdade de medicina: lobbies de empresários “azeitam” as mãos de alguns políticos, pois veem o “empreendimento” como caminho seguro para faturar bilhões. 

De outro lado, muitos prefeitos e outros tantos políticos usam o estabelecimento de uma universidade em seu município como voto certo e eleição ganha.

Sobre o resultado dessa sandice toda, conforme prometi acima, só há uma definição: é estarrecedor.  São estudantes examinando crianças na emergência, sem nenhum professor acompanhando, só para citar um exemplo. 

Depois da graduação, o risco é bem mais grave. A carreira de um médico gira em torno de 43 anos. Quem tem dinheiro suficiente para recorrer aos melhores profissionais talvez nem venha a sentir a dor na carne. Porém, os mais vulneráveis economicamente, ao entrar em um consultório para uma assistência pouco mais complexa do que uma gripe ou dor de barriga, jamais terão a convicção se estão caminhando em direção à vida ou à morte.  

 

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

*Artigo publicado no Diário do Grande ABC em 11/09/2017