A Resolução 585, publicada pelo Conselho Federal de Farmácia em 25 de setembro é, ao contrário do que vem se falando, muito mais do que um problema médico, uma questão social. Ela inclui, entre as atribuições dos farmacêuticos, a prescrição de medicamentos que não necessitam de receita médica. Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que não negamos a importância deste profissional no âmbito da sua atividade. Porém, dois aspectos fundamentais devem ser abordados. Se a prescrição é autorizada quando não há necessidade de receita, o paciente mesmo tem autonomia para ir à farmácia e comprar o medicamento que deseja, não precisa do farmacêutico para isso. Em segundo lugar, podemos afirmar que se trata de uma situação equiparada à automedicação, considerando que a droga será ministrada com base apenas em sintomas e sinais. E isso não é fundamento suficiente para prescrição de medicamentos.

O farmacêutico não tem formação para diagnosticar doença, atribuição exclusiva do médico. Não se pode tratar uma enfermidade simplesmente por semelhança, e sim com profundos conhecimentos baseados nas suas características epidemiológicas, etiopatogênicas e fisiopatológicas. Dor de cabeça não é doença, cólica também não, muito menos coriza. Mas atrás destas manifestações, o indivíduo pode ter hemorragia, pneumonia e outras complicações graves. Dor abdominal que pode caracterizar simples gastroenterite, por vezes é indício de uma enfermidade muito mais séria, como a apendicite. Sendo assim, a prescrição baseada apenas em sintomas e sinais pode retardar e mascarar o diagnóstico, colocando em perigo a vida do doente. Além disso, não se pode menosprezar efeitos colaterais importantes das drogas e sua interação com demais medicamentos em uso, além de poder complicar doenças pré-existentes.



Nesses casos, um tratamento que seria domiciliar, pode acabar gerando internações prolongadas, com mais riscos à saúde. Aquela pneumonia que estava no início e poderia ser facilmente tratada em casa, poderá exigir hospitalização. E aí entramos naqueles outros problemas já bem conhecidos da população brasileira, como a falta de leitos em hospitais, prontos-socorros lotados, enfim, uma situação que atravessa a barreira da delimitação de atividades de uma ou outra classe profissional, agravando o já crítico problema social.

Aguardar pelo diagnóstico médico, no final, é muito menos grave do que a ansiedade de buscar a cura com quem não tem competência para prescrever um tratamento adequado. É preciso que se resgate o SUS.

O farmacêutico é um profissional da área da saúde extremamente importante na função que vinha exercendo até o momento. Mas o direito e o dever de prescrever medicamentos são do médico. E isso ele faz a partir do diagnóstico da doença, e não de sintomas e sinais. Este é um dos princípios básicos, aprendido e repetido ao longo de todo o curso médico: diagnóstico adequado é fundamental para o sucesso do tratamento e deve ser levado a sério. A partir deste princípio vem outro, de que as doenças mesmo quando simples devem ser tratadas com a devida seriedade, para seguirem sendo simples.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica