A igualdade de direitos e a preservação da liberdade são pilares de toda e qualquer democracia. Isto posto, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderia ser apresentado como exemplo mundial de equidade, afinal, conforme consagrado na Constituição Federal de 1988, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 

Tudo seria perfeito, se a teoria se aplicasse à prática. Medidas como a importação de médicos formados fora do Brasil sem revalidação do diploma, o aumento indiscriminado de vagas em faculdades de medicina sem estrutura adequada ao ensino, além da utilização de residentes sem preceptoria adequada para atender nos rincões do Brasil, evidenciam que os cidadãos mais carentes, portanto mais vulneráveis, não são devidamente valorizados.



Os médicos que o governo já começou a trazer de Cuba terão que sobreviver no Brasil sem a família, férias, 13% salário e outras garantias legais. Viverão na condição de milagreiros, para que consigam exercer a medicina em postos de saúde sem o mínimo de estrutura, com falta de medicamentos, equipamentos, enfermeiros, anestesistas, nutricionistas, entre tantas outras carências. E, para que o Programa Mais Médicos se torne realidade, o Brasil repassará a Cuba R$ 40 milhões por mês, sendo que os profissionais que vêm atuar no nosso país receberão uma mísera parte desse valor.

Cabe apontarmos aqui outras falhas desta estratégia. Uma delas é a falta de identidade dos profissionais contratados às pressas com a população brasileira. A maioria desses médicos não fala nossa língua, muito menos têm noção mínima dos vocabulários regionais. Também não conhecem nossa cultura, os traços diferenciados entre as populações das várias regiões do país.

Não se pode chegar ao Brasil querendo exercer a medicina seguindo apenas uma determinada cartilha. O que existe é o doente e não o doente de atenção básica. É necessário tratá-lo com uma visão integral, independente de quem seja e de onde venha. O médico precisa enxergar o paciente com humanismo e respeito, e não só a doença que o acomete. Ser médico envolve, sobretudo, amor à carreira, experiência adquirida no cotidiano e comprometimento com o aprendizado contínuo.

Muitos médicos que por idealismo exercem a profissão, têm se manifestado pela internet e redes sociais mostrando a triste realidade do atendimento médico nesses locais mais afastados do Brasil, onde mortes evitáveis infelizmente ocorrem, não por falta de médicos, mas por infraestrutura precária. E tudo na vida pode ser perdoado, menos uma morte evitável.

O que falta ao médico para que ele se fixe nas regiões menos favorecidas, além de condições dignas para viver e trabalhar, é uma carreira de Estado. A situação atual, além de eleitoreira, é semelhante a um indivíduo que, quando vai ao médico com queixa de cefaleia, tem amputada a cabeça. A proposta de interiorizar a medicina sem cuidar da infraestrutura e sem avaliar o profissional que atuará dentro das nossas fronteiras, inclusive do ponto de vista psicotécnico, pode colocar em perigo a saúde da população.

É mister investir mais no setor como um todo, construir hospitais e postos de saúde, equipá-los, montar equipes multiprofissionais e valorizar os recursos humanos. Ou nossos governantes encaram o problema, ou o sistema de saúde pública prosseguirá sem solução no curto, médio e longo prazo.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica