Dias atrás foi divulgada a notícia de que o curso de medicina da USP (Universidade de São Paulo) é o mais concorrido do vestibular da Fuvest para 2013. Ao todo, 15.517 candidatos se inscreveram, o que representa 56,43 pessoas por vaga. Quando falamos em universidades como USP, Unicamp, Unifesp, passar no vestibular representa o começo de um sonho. O modelo pedagógico e infraestrutura dessas instituições e de seus hospitais garantem ao estudante a certeza de que receberá formação adequada para se tornar um bom médico, capaz de assistir aos cidadãos com eficácia, segurança e qualidade. Porém, não é isso o que ocorre na maior parte das 197 escolas de medicina do Brasil. A abertura indiscriminada de novos cursos e sem o mínimo necessário para que sejam ao menos razoáveis transformou muitos vestibulares em roleta russa.



Temos cursos sem professores capacitados, com grade curricular e modelo pedagógico questionáveis, sem hospital-escola e com muitos outros problemas. Assim fica impossível formar um bom médico. Em nossa profissão o contato com o paciente é tudo. É imprescindível gostar de gente, conhecer o doente, entendê-lo e compreender a raiz de sua enfermidade. Quem não é possuidor dessas qualidades, não tem a menor condição de ser médico, mesmo recebendo boa formação teórica.

A questão é que, muitas vezes, nem essa base teórica necessária os acadêmicos recebem em algumas faculdades de medicina do país. É por isso que o Conselho Regional de Medicina acaba de tornar obrigatório, por meio da resolução 239/2012, o Exame do Cremesp como novo instrumento de avaliação da formação dos profissionais recém-graduados.

Considero iniciativa bastante louvável, mas é preciso atentar para alguns aspectos. Uma prova que avalia apenas o conhecimento cognitivo e teórico do recém-formado acaba sendo incompleta, pecando por não verificar aspectos fundamentais para o exercício da medicina, que são a relação médico-paciente, o humanismo à beira do leito, as habilidades, ética e atitudes características da profissão médica.

Alunos que decoram livros ou têm a possibilidade de estudar em cursinhos, poderão tirar nota bastante elevada, mas sem ter a menor noção de como abordar o paciente, praticar a anamnese, realizar exame físico ou mesmo dar notícia desagradável ao doente e sua família. Tudo isso deixa de ser avaliado quando se faz um exame puramente teórico.

Exatamente por esses motivos é que, quando estive à frente do Departamento de Residência e Projetos Especiais na Saúde da Secretária de Educação Superior do Ministério da Educação, instituímos a prova prática no exame de Residência Médica, que foi um grande diferencial. Esta prova do Cremesp poderá não ser uma ferramenta fiel de aferição da qualidade do ensino, uma vez que o exame não é obrigatório.

Vale registrar que a nova resolução do Conselho paulista já incide sobre os formandos de 2012, para os quais a obtenção do registro somente será possível mediante apresentação de comprovante de que realizou a prova, independente da nota obtida.

Não me canso de repetir que para ser médico é preciso um certo sexto sentido para intuir como está a saúde do paciente olhando em seu olho, pegando em suas mãos. No exercício desta atividade, não há quem confira as decisões tomadas. Ninguém revisa a conduta do cirurgião que está com o abdome aberto, assim como ninguém confere a receita que o paciente leva ao sair do consultório médico. Sinal da responsabilidade deste profissional, que não se encerra com a saída do doente.

É uma área em que há necessidade primordial de vocação. Nesse sentido, não basta apenas conhecimento para passar no vestibular ou concluir o curso de graduação em medicina. O ideal seria que cada um dos candidatos fosse avaliado por um exame psicotécnico que selecionasse, não só aquele que sabe mais, aquele que possui as características exigidas pela profissão. Se assim o for, estaremos de fato buscando salvaguardar a saúde e a vida dos cidadãos brasileiros.

Antonio Carlos Lopes é diretor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica