Hoje a questão da qualidade de atendimento à saúde pauta muitas polêmicas. A precariedade da infraestrutura do sistema público é preocupante, mas se trata apenas de um vértice do problema. Outro grave é a mercantilização do ensino de Medicina.

Assim, pululam faculdades criadas indiscriminadamente, só para enriquecer empresários sem civismo e qualquer compromisso com a saúde. Isso gera consequências cada vez mais graves, pois afeta a formação do médico e, é claro, prejudica o usuário final: o paciente.



Contrapondo os profissionais de saúde que realizam seu trabalho com excelência, estão aqueles que não possuem a capacitação necessária para a assistência a pessoas. A raiz disso está no universo “acadêmico”. Faculdades de Medicina que cobram mensalidades caríssimas, entretanto, a maioria funciona sem hospital escola, com corpo docente de nível contestável e falhas gritantes na grade pedagógica.

Há de se ressaltar que, além de toda a estrutura física imprescindível, a faculdade de Medicina deve ter tradição para garantir formação efetiva também do ponto de vista ético. Não é apenas transmitindo conhecimentos teóricos e práticos que se consolida o bom médico, é necessário ensinar também a conduta humanista, na qual a relação médico-paciente é baseada na confiança e respeito, e não somente um atendimento frio e científico.

Medicina não é apenas estudar a ação de substâncias no organismo, verificar o funcionamento de órgãos ou realizar cortes cirúrgicos com precisão, é muito mais. O médico deve amar a profissão e ter em mente que seu foco não são doenças e sim os doentes.

Valorizar o ser humano é algo que os professores devem frisar na faculdade. Atender no hospital escola, por exemplo, ajuda o estudante a ter essa percepção e algumas instituições privam seus alunos dessa experiência fundamental.

Enquanto a quantidade de profissionais for o centro da discussão, e não a qualidade da formação, teremos médicos que enxergam seu trabalho sob a mesma ótica, fazendo com que pacientes se tornem simples números de quartos ou carteirinhas de planos de saúde. A assistência à população deve ser levada a sério, o especialista deve saber o peso da responsabilidade que tem nas mãos.

Nesses tempos em que a mudança é palavra de ordem, o Governo deve atentar-se à saúde como um todo, considerando uma maior rigidez na autorização para a abertura de escolas de Medicina. A saúde oferecida aos cidadãos deve ser motivo de maior preocupação de todos, inclusive das instâncias políticas, todas elas.

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
*artigo publicado em 27/01/2020 no Diário do Grande ABC