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No decorrer da história da humanidade, a morte sempre foi interpretada pelo homem de acordo com princípios ortodoxos, sejam eles culturais ou religiosos. O debate se manteve engessado em conceitos questionáveis e, mais ainda, em preconceitos. Essa discussão sobre a terminalidade da vida sempre promoveu polêmicas e questionamentos, porém, poucos se aprofundaram de fato na questão.

 

No campo de medicina, da saúde, esse debate deve necessariamente começar pela precisa definição ética e jurídica do que é eutanásia, ortotanásia e distanásia.

 

A eutanásia é o ato do provocar a morte de outra pessoa que está em sofrimento por conta de alguma doença grave, conduta considerada ilegal e antiética em nosso país. Já a ortotanásia (que vem do grego e significa “morte digna”) é a decisão de retirar, sem causar sofrimento, equipamento ou medicações que servem para prolongar a vida de um doente terminal sem esperança. Por fim, a distanásia é compreendida como o prolongamento da vida de modo artificial, sem perspectiva de cura ou melhora.

 

No Brasil, e em qualquer parte do mundo, os médicos se deparam frequentemente com situações conflituosas, sendo impelidos a tomar importantes decisões no que concerne à terminalidade da vida. Boa parte delas envolve questões éticas, profissionais, morais e jurídicas.

 

A medicina evoluiu e permite um período maior de sobrevivência de pacientes terminais dependentes de aparelhos. Isso trouxe à família e à equipe médica o questionamento do que seria uma morte digna e desejável. Seria moral e juridicamente aceitável reduzir a vida humana à apenas sua dimensão biológica, na qual o paciente muitas vezes fica confinado em um quarto de hospital até que venha a falecer?

 

Considerando que “não se justifica prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano”, o Conselho Federal de Medicina (CFM), publicou a resolução 1995/2012. É o chamado “Testamento Vital”, que define encaminhamentos para o desfecho de casos terminais: a decisão do paciente sobre a ortotanásia deve ser tomada antecipadamente, antes de ingressar na fase crítica. O doente precisa estar plenamente consciente e sua manifestação deve prevalecer sobre a vontade dos parentes e dos médicos que o assistem.

 

A partir dessa publicação, o paciente, registrando seu desejo em cartório, poderia participar ativamente da tomada de decisão sobre como gostaria de viver o restante da sua existência. O Testamento Vital possibilitaria que não fosse realizado um tratamento inútil, agressivo, oneroso à sociedade, e evitaria um doloroso processo a pacientes e familiares.

 

No entanto, o Código Penal Brasileiro não acompanha a evolução da medicina. Mesmo que apoiada no veredito do paciente e da Resolução do CFM, a opção pela ortotanásia pode gerar inúmeros problemas ao médico, inclusive a cassação do seu registro profissional, o CRM.

 

As esferas civil e penal têm muito mais força do que qualquer órgão de classe. É proibido deixar de dar continuidade ao tratamento, mesmo com a Resolução do Conselho, a despeito de causar mais sofrimento a quem tem um parente em estado terminal.

 

É fundamental para medicina e para aqueles que sonham com um fim digno a revisão do nosso Código Penal. A Justiça brasileira se mostra vagarosa e isso traz uma série de ônus à sociedade. A terminalidade da vida precisa deixar de ser um tabu e passar a ser discutida de acordo com a sua importância.

 

Contudo, a formação humanística do médico e a relação médico-paciente (neste caso também médico-família) serão de enorme importância para orientar a sua conduta diante da ortotanásia, sem conflito de consciência para os partícipes.

 

Antônio Carlos Lopes é Professor Titular da Disciplina de Clínica Médica do Departamento de Medicina da Unifesp, Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e autor do livro “Eutanásia, Ortotanásia e Distanásia – Aspectos Médicos e Jurídicos” (Ed. Atheneu)