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14_Sarcoma_RBCM_v10_n1

Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jan-fev;10(1):73-5

Sarcoma primário da artéria pulmonar. Relato de caso*

 

Primary sarcoma of the pulmonary artery. Case report

 

Dinaldo Cavalcanti de Oliveira1,2, Fabrício Bortolo2, Valeria S. C. Besarria3, Danielle A. G. C. Oliveira3, Paulo Fontes Gontijo2, Enilton Sergio Tabosa Egito2,4

 

*Recebido do Hospital do Coração da Associação Sanatório Sírio. São Paulo, SP.

RESUMO

 

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O sarcoma primário da artéria pulmonar é uma doença rara. O conhecimento dos aspectos clínicos e do seu diagnóstico tem impacto no prognóstico do paciente. O objetivo deste estudo foi descrever e discutir aspectos clínicos e de exames complementares deste tumor.

RELATO DO CASO: O paciente foi internado para ser submetido à embolectomia cirúrgica de artéria pulmonar. Entretanto, na sala de cirurgia notou-se presença de tumor que invadia a artéria pulmonar direita, estruturas do mediastino, veia cava superior e artéria aorta. Nesse momento não foi realizada a ressecção tumoral. Exames complementares revelaram sarcoma primário da artéria pulmonar. O paciente foi tratado com quimioterápicos, com planejamento de cirurgia após o seu término.

CONCLUSÃO: Houve boa resposta a terapêutica e melhora clinica. Infelizmente, após a quimioterapia, o paciente não aceitou cirurgia para ressecção do tumor.

Descritores: Cardiologia clínica, Hipertensão pulmonar.

 

SUMMARY

 

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The primary pulmonary artery sarcoma is a rare tumor. The knowledge of the characteristics of this kind of tumor has impact on patients’ survival. We aimed to describe and discuss a couple of characteristics of this cancer.

CASE REPORT: The patient came in hospital to be submitted to embolectomy from pulmonary artery surgery. At operating room the tumor was discovered invading the right pulmonary artery, mediastinal structures, the superior vena cava and the aorta. It was therefore decided not to perform a tumor resection. We have decided to treat the patient with chemotherapy. It was our idea to perform surgery after the chemotherapy.

CONCLUSION: The patient experienced good tolerance to the therapy and indicated clinical improvement. Unfortunately, at this time he does not accept surgery.

Keywords: Clinical cardiology, Pulmonary hypertension.

INTRODUçãO

 

O sarcoma primário da artéria pulmonar é um tumor mesenquimal da íntima de raríssima ocorrência. Em revisão de literatura foram encontrados aproximadamente 250 casos descritos1. Esse tumor é mais frequente nas mulheres e clinicamente sua apresentação é semelhante a tromboembolismo pulmonar, sendo o diagnóstico entre essas duas doenças um desafio clínico2.

O seu tratamento pode ser realizado por cirurgia de ressecção isolada ou associada à radioterapia ou quimioterapia. Infelizmente independente da modalidade terapêutica a morbimortalidade é elevada. Autores reportam sobrevida mediana que varia de 11 ± 3 meses a 36 ± 20 meses, dependendo da terapêutica instituída1,2.

O objetivo deste estudo foi descrever as características clinicas e exames complementares de um caso com diagnóstico confirmado.

 

RELATO DO CASO

 

Paciente do sexo masculino, 34 anos, admitido para ser submetido à cirurgia como tratamento de embolia pulmonar, pois de acordo com tomografia computadorizada realizada em outro hospital foi estabelecido diagnóstico de embolia pulmonar e segundo equipe médica da citada instituição havia falência terapêutica.

Na admissão, apresentava dispneia aos mínimos esforços, o que limitava muito suas atividades físicas. Ao exame físico observava-se­ perda de peso e taquipneia. Exames pré-operatórios revelavam apenas anemia (hematócrito = 30%).

Realizou ecocardiograma bidimensional com Doppler antes da cirurgia que evidenciou dilatação moderada das câmaras direitas, déficit difuso de grau discreto da função contrátil do ventrículo direito, fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 69%, pressão na artéria pulmonar de 93 mmHg.

Em seguida foi submetido à angiografia pulmonar que evidenciou pressão de átrio direito (AD) 20 mmHg e tronco de artéria pulmonar (TP) 130 x 30 mmHg, pressão dos ramos pulmonares de 130 x 30 mmHg. Havia um forâmen oval patente, oclusão do ramo direito da artéria pulmonar e dos ramos lobar superior e lobar inferior esquerdo.

Diante da história clínica e dos resultados dos exames complementares foi confirmada a hipótese diagnóstica e estabelecida a proposta cirúrgica de embolectomia pulmonar. Entretanto, no centro cirúrgico após toracotomia exploradora evidenciou-se possível massa tumoral invadindo a artéria pulmonar direita, estruturas mediastinais, veia cava superior e artéria aorta. Optou-se por biópsia por congelação, sendo o resultado compatível com o diagnóstico de neoplasia maligna de alto grau, optando-se pela não ressecção do tumor.

O resultado do estudo histopatológico evidenciou sarcoma pleomórfico de alto grau, cujo painel do imuno-histoquímica mostrou-se vimentina positivo (Figura 1), mas negativo para CD 34, desmina, citoqueratina de alto e baixo peso molecular (anticorpos monoclonais AE1/AE3 4:1), proteína S 100, CD 30, CD 31, actina de músculo liso, miogenina e CD 68.

Foi iniciado tratamento com anticoagulantes, sildenafil e programado seis ciclos de quimioterapia (QT), baseada na administração de ifosfamida e doxorrubicina.

O paciente, antes da QT, foi submetido a estudo de positive emission tomography scan (PET Scan) que revelou não haver outros focos de doença neoplásica (Figura 2).

Quinze dias após a cirurgia foi iniciada a quimioterapia com doxorrubicina (dose = 50 mg/m2), ifosfamida (dose = 10 g/m2). O paciente teve boa tolerância à terapêutica e melhora clinica.

O ecocardiograma bidimensional com Doppler realizado após o quarto ciclo de quimioterapia revelou redução da pressão da artéria pulmonar (45 mmHg), porém manutenção do comprometimento da função sistólica e diastólica do ventrículo direito.

Novo PET Scan realizado a essa época evidenciou presença de resposta metabólica e volumétrica parcial da massa pré-carinal (redução de 7,5 no valor padronizado de captação máximo) associado à tromboembolismo pulmonar bilateral e foco de metabolismo glicolítico em osso esterno (Figura 2).

O paciente encontra-se com dispneia leve aos grandes esforços, ativo, com bom estado geral. Infelizmente, após término da quimioterapia, recusou-se a programação cirúrgica.

 

DISCUSSAO

 

O sarcoma da artéria pulmonar e um tumor muito raro, que na maioria das vezes tem origem na superfície dorsal do tronco da artéria pulmonar a partir de células mesenquimais multipotenciais. A periferia dos pulmões é envolvida por embolia ou metástases. Em raros casos pode por expansão retrógrada comprometer a valva pulmonar e o ventrículo direito1,3.

Esse tipo de tumor tem predominância no sexo feminino, sendo mais frequentemente diagnosticado entre 40 e 50 anos e tem como sintomas mais frequentes dispneia, tosse, dor torácica, hemoptise, sintomas constitucionais. O curso natural dessa doença é determinado pelo crescimento intraluminal do tumor levando a obstrução da vasculatura pulmonar, sendo eventual a ocorrência de trombose adicional2,4.

Do ponto de vista de doença, o sarcoma de artéria pulmonar pode ser classificado de acordo com o local de sua ocorrência em dois grupos: intraluminal e intramural. A forma intraluminal comumente origina-se na camada íntima da artéria pulmonar e prolifera como uma massa polipoidal para a luz do vaso. Os sarcomas intramurais são geralmente leiomiossarcomas5.

Existe uma subclassificação que divide o tumor em diferentes tipos: Indiferenciado, rabdomiossarcoma, sarcoma osteogênico, fibrossarcoma, angiossarcoma, mesenquimal maligno, sarcoma misto, condrossarcoma, osteossarcoma, histiocitoma fibroso maligno, lipossarcoma, leiomiomas não classificados1.

Há uma classificação de estadiamento do sarcoma primário da artéria pulmonar em quatro estágios: Estágio I: tumor limitado a artéria pulmonar principal, Estágio II: tumor envolve um dos pulmões e artéria pulmonar principal, Estágio III: comprometimento bilateral dos pulmões, Estágio IV: envolvimento extratorácico1.

No caso descrito houve obstrução da vasculatura pulmonar conforme demonstrado pela angiografia pulmonar, assim como aumento das pressões nas artérias pulmonares.

Devido a sintomas e achados de exames clínicos comuns à embolia pulmonar, o diagnóstico diferencial entre essas duas doenças por vezes é mandatório6. Exames complementares são fundamentais para o diagnóstico do sarcoma da artéria pulmonar1.

A tomografia computadorizada e considerada o padrão para o diagnóstico não invasivo. Os achados mais frequentes são: lesões não homogêneas hiperdensas de hemorragias, comprometimento de artérias pulmonares periféricas, continuidade com tecidos periarteriais e preenchimento da luz arterial, distensão vascular devido crescimento tumoral, perda da vasculatura distal e envolvimento extravascular1,7.

Testes laboratoriais revelam aumento do sedimento eritrocitário e ausência de estado pró-coagulante1. A ressonância nuclear magnética de tórax, o ecocardiograma transesofágico, positive emission tomography também tem sido utilizados na avaliação de pacientes com sarcoma da artéria pulmonar8.

O tumor é metabolicamente mais ativo que os trombos, por isso a tomografia computadorizada com emissão de prótons revela alta captação de radioisótopos1.

Rotineiramente a avaliação imuno-histoquímica do tumor e realizada com desmina, citoqueratina, vimetina e actina1.

Quando não tratado o sarcoma da artéria pulmonar tem prognóstico ruim. A evidência que suporta o tratamento dessa doença é baseada na avaliação de poucos casos devido à raridade da doença1.

Recomenda-se a ressecção cirúrgica do tumor associada à quimioterapia. Existe um debate quanto ao papel da radioterapia no tratamento9. Pacientes estáveis (em boas condições clinicas e hemodinâmicas) podem receber ciclo de quimioterapia neoadjuvante, antes da cirurgia com objetivo de redução da massa tumoral o que facilitaria a ressecção completa. Se existe instabilidade quando do diagnóstico pode-se realizar a cirurgia e a quimioterapia após a mesma1,10.

O paciente em questão foi inicialmente tratado com quimioterapia, pois a massa tumoral era demasiadamente grande. Após os ciclos de quimioterapia houve expressiva redução do tamanho do tumor, dessa forma foi possível a sua ressecção cirúrgica.

As recomendações atuais do tratamento são baseadas em estudos que demonstraram ser a sobrevida mediana de pacientes submetidos à ressecção completa de 36,5 ± 20 meses, enquanto àqueles submetidos à ressecção incompleta de 11 ± 3 meses1.

Pacientes submetidos ao tratamento combinado tiveram sobrevida de 24,7 meses, enquanto os com modalidade simples apenas 8 ± 1,7 meses1.

A adequada reserva pulmonar e a possibilidade de ressecção completa do tumor são dois importantes aspectos a serem considerados quando da indicação cirúrgica. A biópsia de congelação deve ser utilizada para confirmação do diagnóstico e o ecocardiograma transesofágico e mandatório no intraoperatório1,10.

A maioria dos autores concorda que quanto mais precoce for diagnóstico, o sarcoma da artéria pulmonar e o tratamento combinado for realizado melhor será o prognóstico do paciente1,10.

O seguimento clínico do paciente deve ser feito de forma regular sendo composto de completa história, exame físico e tomografia computadorizada com contraste para detecção de recorrência1.

O grande desafio no manuseio do sarcoma primário da artéria pulmonar é seu diagnóstico precoce. Nesse sentido a suspeita clinica e de fundamental importância, pois o prognóstico do paciente depende em muito da sua precocidade.

 

CONCLUSAO

 

O sarcoma primário da artéria pulmonar é um tumor raro. Entretanto, o diagnóstico precoce pode ter impacto favorável na evolução do paciente.

A cirurgia de ressecção isolada ou associada à quimioterapia dependendo das características do tumor e do paciente representam o melhor tratamento para essa doença.

Infelizmente, na maioria dos casos o diagnóstico não é precoce e desta forma o prognóstico é ruim.

 

REFERêNCIAS

 

1. Blackmon SH, Rice DC, Correa AM, et al. Management of primary pulmonary artery sarcomas. Ann Thorac Surg 2009;87(3):977-84.

2. Scheidl S, Taghavi S, Reiter U, et al. Intimal sarcoma of the pulmonary valve. Ann Thorac Surg 2010;89(4):e25-7.

3. Mayer F, Aebert H, Rudert M, et al. Primary malignant sarcomas of the heart and great vessel in adult patients--a single-center experience. Oncologist 2007;12(9):1134-42.

4. Terra RM, Fernandez A, Bammann RH, et al. Pulmonary artery sarcoma mimicking a pulmonary artery aneurysm. Ann Thorac Surg 2008;86(4):1354-5.

5. Jin T, Zhang C, Feng Z, et al. Primary pulmonary artery sarcoma. Interact Cardiovasc Thorac Surg 2008;7(4):722-4.

6. Huang SS, Huang CH, Yang AH, et al. Images in cardiovascular medicine. Solitary pulmonary artery intima sarcoma manifesting as pulmonary embolism and subacute cor pulmonale. Circulation 2009;120(22):2269-70.

7. Scheffel H, Stolzmann P, Plass A, et al. Primary intimal pulmonary artery sarcoma: a diagnostic challenge. J Thorac Cardiovasc Surg 2008;135(4):949-50.

8. Penel N, Taieb S, Ceugnart L, et al. Report of eight recent cases of locally advanced primary pulmonary artery sarcomas: failure of doxorubicin-based chemotherapy. J Thorac Oncol 2008;3(8):907-11.

9. Hirose T, Ishikawa N, Hamada K, et al. A case of intimal sarcoma of the pulmonary artery treated with chemotherapy. Inter Med 2009;48(4):245-9.

10. Shehatha J, Saxena P, Clarke B, et al. Surgical management of extensive pulmonary artery sarcoma. Ann Thorac Surg 2009;87(4):1269-71.

1. Doutor em Ciências da Saude pela Universidade Federal de Sao Paulo. Professor Adjunto de Medicina, Departamento de Medicina Clinica, da Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Clinica Medica pela SBCM, em Cardiologia pela SBC e em Cardiologia Intevencionista e Hemodinamica pela SBC/SBHCI. Cardiologista Intevencionista do Hospital das Clinicas da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil

2. Cardiologista do Hospital do Coração da Associação Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

3. Enfermeira da Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil.

4. Coordenador da Unidade Coronariana do Hospital do Coração. da Associação Sanatório Sírio. São Paulo, SP, Brasil

 

Apresentado em 04 de março de 2011

Aceito para publicação em 21 de junho de 2011

 

Endereço para correspondência:

Dr. Dinaldo C. Oliveira

Rua Padre Landim, 302/403 – Madalena

40710-570 Recife, PE.

E-mail: dinaldo@cardiol.br

 

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RELATO DE CASO

 

Figura 1 – Estudo histopatológico

A: Mitose, B: Necrose, C: Vascularização, D: Positivo para vimentina (400 vezes),

E: Linfócitos (400 vezes)

 

Figura 2 – Tomografia de emissão de pósitrons.

A – antes da quimioterapia: presença de massa metabolicamente ativa pré-carinal (SUV = 13,5), associada a focos de metabolismo glicolítico no esterno. Sinais de embolia pulmonar bilateral. B. Após quimioterapia: regressão do metabolismo glicolítico da lesão expansiva com epicentro na região anterior da artéria pulmonar direita, veia cava e recesso pericárdio (SUV = 6).


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