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13_Tumor_RBCM_v10_n1

Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jan-fev;10(1):69-72

Tumor maligno da bainha do nervo periférico Relato de caso*

 

Malignant peripheral nerve sheath tumor. Case report

 

Cláudia de Jesus Diogo1, Anton Formigo2, Etel Florova3, Carla Fernandes4, Luísa Fontes4, Maria João Mello Vieira4, Joaquim Rodrigues5

 

*Recebido do Serviço de Medicina do Hospital de Nossa Senhora do Rosário do Centro Hospitalar Barreiro - Montijo, EPE, Portugal.

RESUMO

 

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP), anteriormente chamado de schwannoma maligno, é um tumor raro, representando até 10% dos sarcomas. Em aproximadamente 50% dos casos associam-se à neurofibromatose tipo 1 (NF1) ou doença de von Recklinghausen. São tumores agressivos e frequentemente resistentes à quimioterapia. O objetivo deste estudo foi a exposição de um caso de TMBNP enfatizando a importância da imuno-histoquímica para o diagnóstico.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 54 anos, internado por dor abdominal, desconforto pós-prandial, lombo-ciatalgia com irradiação ao membro inferior direito e lesões nodulares no fígado. A investigação revelou massa retroperitoneal com necrose e lesões líticas no sacro e coluna vertebral. As biópsias do sacro e hepática revelaram células mesenquimatosas, fusiformes, que coravam para S-100 na imuno-histoquímica. Admitido o diagnóstico de TMBNP com origem em massa retroperitoneal com metastatização óssea e hepática. O paciente foi referenciado à oncologia sendo tratado com quimioterapia paliativa.

CONCLUSÃO: A raridade do TMBNP explica a importância da divulgação deste caso, informando os clínicos, diminuindo o tempo para o diagnóstico e melhorando substancialmente as probabilidades de cura e a sobrevida. Este caso é interessante também por não estar associado à NF1 e por não se ter determinado o nervo periférico de origem, assentando o diagnóstico no resultado do estudo anatomo-histológico.

Descritores: Imuno-histoquímica, Metástase, Tumores malignos da bainha do nervo periférico.

 

SUMMARY

 

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The malignant peripheral nerve sheath tumor (MPNST), previously designated malign schwannoma is a rare tumor, accounting up to 10% of the soft tissues sarcomas. In approximately 50% of the cases there is an association with neurofibromatosis -1 (NF1) or von Recklinghausen disease. This tumor is extremely aggressive and frequently resistant to chemotherapy. The purpose of this study is to describe a clinical case of MPNST emphasizing the importance of the immunohistochemistry to accomplish the diagnosis.

CASE REPORT: A male patient, 54 years-old, admitted to the hospital with abdominal pain, postprandial epigastric discomfort, lumbosacral pain radiating to the right leg and nodular hepatic lesions. The clinical investigation revealed retroperitoneal mass with areas of necrosis and disperse lytic lesions on the sacrum and vertebral column. The hepatic and sacral biopsies revealed mesenchymal cells, spindled, which stained positively to S-100 in the immunohistochemistry. It was diagnosed MPNST, originated in the retroperitoneal mass metastasized to liver and bone. The patient was oriented to oncology being treated with palliative chemotherapy.

CONCLUSION: The rarity of MPNST explains the importance of divulgating this case in order to inform the clinicians, diminishing the time to diagnosis, improving treatment and survival probabilities. This case report is also interesting because there was no association with NF1, and because it wasn’t possible to identify the original peripheral nerve. The diagnosis was made due to the histological study performed.

Keywords: Immunohistochemistry, Malignant peripheral nerve sheath tumor, Metastases

 

INTRODUÇÃO

 

O tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP) é um sarcoma extremamente raro e muito agressivo com origem em nervos periféricos ou cranianos1-7.

Anteriormente chamado de schwannoma maligno, mas mais corretamente denominado por TMBNP, uma vez que pode ter origem em qualquer célula da bainha nervosa (nomeadamente células perineurais ou fibroblastos), além das células de Schwann1,2,6.

O TMBNP com uma frequência na população geral de 0,001%, representa até 10% dos sarcomas, sendo que estes equivalem a 1% de todas as neoplasias malignas2,4,8,9. Podem surgir espontaneamente ou em associação com a neurofibromatose tipo-1 (NF1) ou doença de von Recklinghausen3,10. Cerca de 50% dos TMBNP surgem em pacientes com NF1, contudo apenas 8% a 13% dos pacientes com NF1 desenvolvem TMBNP ao longo da vida1,4,9.

Em estudo indiano, 21% dos tumores surgiram em pacientes com NF1, e a percentagem de TMBNP era bastante elevada (12%) surgindo como o segundo sarcoma mais frequente6.

O TMBNP espontâneo tem incidência de 3 casos por 100.000 habitantes por ano, sendo mais comum entre a 3ª e 5ª década de vida e no sexo feminino1,3,5.

Quando o TMBNP surge em pacientes com NF1, atinge mais a 2ª década de vida e indivíduos do sexo masculino. Existe maior incidência em pacientes com exposição prévia à radiação1,8.

A clínica é variável. Manifesta-se na maior parte dos casos como massa dolorosa de crescimento rápido, com ou sem sintomas neurológicos associados como parestesias e fraqueza muscular4,7,8.

Estes tumores afetam mais as grandes raízes nervosas (como plexo braquial e sacral), retroperitonal, cabeça, pescoço, tronco e membros. Sendo em regra mais frequentes nos nervos sensitivos1,8,9.

Crescem ao longo dos nervos infiltrando as estruturas vizinhas e metastatizam preferencialmente para o pulmão, osso e fígado3,5.

Um sarcoma é classificado como TMBNP quando pelo menos um dos seguintes critérios é atingido: origem no nervo periférico, em tumor benigno da bainha do nervo periférico (neurofibroma) ou diferenciação histológica de células Schwann10.

Histologicamente o TMBNP é caracterizado pela alternância de áreas com elevada densidade celular com outras de baixa densidade celular e padrão em paliçada3,11. As células malignas podem ser fusiformes (em 80% a 85% dos casos) ou arredondadas, sendo este pleomorfismo celular a razão da dificuldade no diagnóstico7.

A malignidade é sugerida por núcleos hipercromáticos, com pleomorfismo, elevada atividade mitótica, invasão vascular e dos tecidos envolventes e presença de áreas necróticas8,11. Cerca de 15% destes tumores exibem diferenciação variada, permitindo-lhes ser subclassificados como entidades distintas: schwannoma maligno glandular, schwannoma maligno epitelioide e TMBNP superficial epitelioide7.

A imuno-histoquímica assume particular importância no diagnóstico. Cerca de 50% a 90% dos casos coram para a proteína S-100, 50% para a proteína básica da mielina e 40% para leu-7 (ou CD 57)1-3.

A microscopia eletrônica é também útil ao permitir fazer a caracterização ultraestrutural das células tumorais7.

A ressonância magnética nuclear (RMN) é o exame de imagem de eleição, apresentando-se como grandes massas, com aspecto fusiforme, orientados no sentido longitudinal do nervo, heterogêneos, mal definidos e circundados por edema1,4,8,12.

Nos sarcomas de partes moles o estadiamento tem por base o grau histológico, tamanho do tumor, profundidade e presença ou não de metástases1,4,8.

A PET (positron emission tomography) tem sido útil na determinação de metástase e recorrência da doença4.

A cirurgia de remoção do tumor é essencial para o tratamento, sendo a quimioterapia e radioterapia usadas como adjuvantes4,6,8. A radioterapia está recomendada no pós-operatório, uma vez que diminui as recorrências locais6.

São tumores altamente resistentes à quimioterapia, contudo a inclusão da ifosfamida parece aumentar a resposta ao tratamento, com indicação em tumores grandes, profundos, com elevado grau de malignidade1,5,6. São neoplasias com um prognóstico muito reservado, cuja sobrevida aos 5 anos é muito baixa: 21 % nos casos associados à NF1 e 42% nos esporádicos9. Os fatores de mau prognóstico são: presença de tumores grandes (mais de 5 cm), elevado grau de malignidade histológico e excisão cirúrgica incompleta6,8,9. A recorrência local dos TMBNP situa-se entre 40% e 65%, e a recorrência à distância entre 40% e 68%. São os sarcomas com maior taxa de recorrência3,6. Os avanços no estudo de imagem e na imuno-histoquímica, a maior experiência na radioterapia e na quimioterapia permitem não só o diagnóstico precoce destes tumores, como a melhora no tratamento destes pacientes aumentando a sua sobrevida8.

O objetivo deste estudo foi a exposição de um caso de TMBNP enfatizando a importância da imuno-histoquímica para o diagnóstico.

 

RELATO DO CASO

 

Paciente do sexo masculino, 54 anos, caucasiano e pedreiro de profissão, com antecedentes de abuso de álcool e tabagismo ­intenso.

Admitido por dor abdominal, lombociatalgia e nódulos hepáticos em ecografia abdominal. Paciente saudável até 8 meses antes da internação quando inicia saciedade pós-prandial, dor abdominal contínua, sem irradiação, localizada no hipocôndrio direito (HD) e epigástrio. Referindo também anorexia e emagrecimento (± 6 kg). Por persistência deste quadro clínico e aparecimento de lombalgia irradiando ao membro inferior direito sem alívio com a analgesia foi internado. Negava qualquer outra queixa ou sinal.

Ao exame físico, encontrava-se vigil, apirético, normotenso, taquicárdico (110 ppm); emagrecido, com índice de massa corpórea = 18; palidez cutâneo-mucosa. Ausculta cardiopulmonar sem alterações. Abdômen com macicez no hipocôndrio direito (HD); dor à palpação do epigástrio e HD; hepatomegalia dolorosa; sem Murphy vesicular ou renal, sem dor à descompressão. Diminuição da força muscular no membro inferior direito e manobra de Lasègue positiva.

Era portador de vários exames complementares de diagnóstico efetuados em consulta extra-hospitalar, quais sejam: ecografia abdominal que revelava hepatomegalia com heterogeneidade estrutural e nódulo de 63 mm no hilo, adjacente à veia cava inferior; exames laboratoriais com velocidade de hemossidementação elevada (90 mm), com o hemograma, marcadores tumorais e sorologias para hepatites virais sem alterações.

Na investigação hospitalar apurou-se anemia normocítica e normocrômica (hemoglobina: 10,7 g/dL, VGM: 80 fL e HGM: 27 pg), trombocitose (plaquetas: > 638.000 109/L), velocidade de hemosedimentação elevada (VHS: 90-120 mm/h), padrão de cito-colestase hepática (aspartato amino-transerase:69 U/L, alanina amino-transferase: 73 U/L, gama-glutamiltransferase: 359 U/L e fosfatase alcalina: > 493 U/L). Sem alterações nas provas de função renal, coagulação, proteínas totais, albumina e cinética do ferro.

As sorologias dos vírus da hepatite, vírus da imunodeficiência humana, Entamoeba hystolitica, hemoculturas e uroculturas seriadas foram negativas. A radiografia do tórax em PA não revelou alterações.

A tomografia computadorizada (TC) toraco-abdomino-pélvica (Figura 1) revela hepatomegália, com múltiplos nódulos hipodensos, bem definidos e localizados sobretudo no lobo direito, sendo o maior com 15 cm. Massa retroperitoneal com áreas de necrose, adjacente à segunda porção do duodeno identifica-se formação nodular com cerca de 70 mm de diâmetro. Adenomegalias no hilo hepático e tronco celíaco.

TC coluna lombosscral mostrou múltiplas lesões líticas no corpo de várias vértebras e na asa direita do sacro com componente tecidular de partes moles e envolvimento das raízes sacrais (Figura 2). A endoscopia digestiva alta e colonoscopia não revelaram alterações.

A cintilografia óssea confirmou as lesões líticas ao nível de D11- D12, em vários arcos costais e na diáfise proximal do fêmur esquerdo.

As biópsias hepática e óssea revelaram padrão moderadamente celular, células fusiformes, pleomorfismo nuclear e índice mitótico de 1-2 mitoses/10 CGA (campo de grande aumento). A imuno-histoquímica foi positiva para a proteína S-100, firmando-se o diagnóstico de tumor maligno da bainha do nervo periférico retroperitoneal, com metástases hepática e óssea. Assim, o paciente foi encaminhado à oncologia médica (Figuras 3 e 4).

Efetuou-se quimioterapia paliativa (doxorrubicina e ifosfamida) e analgesia (naproxeno, paracetamol e morfina).

 

DISCUSSÃO

 

O TMBNP é um tumor extremamente raro nomeadamente na ausência de NF1 como neste paciente. Na data da internação e face à presença de múltiplos nódulos hepáticos, anorexia, perda de peso, história de abuso de álcool e tabagismo, foram colocadas como primeiras hipóteses diagnósticas: hepatocarcinoma multicêntrico ou metástases hepáticas de tumor primário oculto. A investigação efetuada com base na realização de exames laboratoriais, de imagem e histológicos permitiu a exclusão da primeira hipótese. O diagnóstico de TMBNP foi admitido pela história clínica, encontrando-se a ciatalgia devida à compressão do plexo sacral por invasão local do tumor, massa retroperitoneal, histologia compatível com presença de tumor mesenquimatoso e pela imuno-histoquímica com positividade para o S-100.

Dificultou o diagnóstico a não individualização do nervo periférico de origem, o que nem sempre é possível, pelo fato de muitos destes tumores se originarem em nervos pequenos e “inexpressivos”6,10.

É sabido que a cirurgia é o tratamento curativo de eleição. No presente caso, não se removeu o tumor pelo estádio avançado da doença à data do diagnóstico, tendo-se efetuado apenas quimioterapia paliativa.

 

CONCLUSÃO

 

A raridade do TMBNP explica a importância da divulgação deste caso, informando os clínicos, diminuindo o tempo para o diagnóstico e melhorando substancialmente as probabilidades de cura e a sobrevida. Este caso é interessante também por não estar associado à NF1 e por não se ter determinado o nervo periférico de origem, assentando o diagnóstico no resultado do estudo anátomo-histológico.

 

REFERÊNCIAS

 

1. DeVita VT, Lawrence ST, Rosenberg SA. Cancer, principles & practice of oncology. 8th ed. Philadelphia: Lippincott Williams; 2008. p. 1755-7.

2. Pineda RM, Rebello CF, Barbosa LA, et al. Neoplasia maligna de bainha do nervo periférico de origem central: relato de caso e revisão de literatura. Rev Bras Cancerol 2001;47(4):435-9.

3. Garcia B, Ferrer MS, Acosta G. Tumor maligno de la vaina de nervio periférico y neurofibromatosis. Rev Venez Oncol 2008;20(1):34-7.

4. Mrugala MM, Batchelor TT, Plothin SR. Peripheral and cranial nerve sheath tumors. Curr Opin Neurol 2005;18(5):604-10.

5. Correia B, Carriço L, Santos L, et al. Schwannoma maligno do vago. Rev Portug Med Int 1995;2(2):117-21.

6. Kar M, Deo SV, Shukla NK, et al. Malignant peripheral nerve sheath tumors (MPNST)--clinicopathological study and treatment outcome of twenty-four cases. World J Surg Oncol 2006;4:55.

7. Ducatman BS, Scheithauer BW. Malignant peripheral nerve sheath tumors with divergent differentiation. Cancer 1984;54:1049-57.

8. Clark MA, Fisher C, Judson I, et al. Soft-tissue Sarcomas in Adults. N Engl J Med 2005;353(7):701-11.

9. Furniss D, Swan MC, Morrit SG, et al. A 10-year review of benign and malignant peripheral nerve sheath tumours in a single center: clinical and radiographic features can help to differentiate benign from malignant lesions. Plast Reconstr Surg 2008;121(2):529-33.

10. Vincent ACPJ, Rajagopalan S, Jetley S, et al. Malignant peripheral nerve sheath tumor presenting as a massive intra-abdominal mass. MJAFI 2004;60(4):402-4.

11. Ghosh A, Talwar OP, Pradhan SV. Tumour and tumour-like conditions of peripheral nerve origin: Ten year´s experience KUMJ 2010;8(1):97-101.

12. Muñoz CS. Tumores neurogénicos de nervios periféricos: estudio por imágenes. Rev Chil Radiol 2003;9(3):124-36.

1. Interna do 5º ano do Internato Complementar de Medicina Interna do Hospital de Nossa Senhora do Rosário, EPE, Barreiro. Setúbal, Portugal

2. Interno do 3º ano do Internato Complementar de Medicina Interna do Hospital de Nossa Senhora do Rosário, EPE, Barreiro, Setúbal, Portugal

3. Interna do 1º ano do Internato Complementar de Medicina Interna do Hospital de Nossa Senhora do Rosário, EPE, Barreiro, Setúbal, Portugal

4. Doutora em Medicina; Especialista de Medicina Interna do Hospital de Nossa Senhora do Rosário, EPE, Barreiro, Setúbal, Portugal

5. Doutor em Medicina; Especialista em Medicina Interna e Diretor do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Nossa Senhora do Rosário, EPE, Barreiro, Setúbal, Portugal

 

Apresentado em 22 de dezembro de 2010

Aceito para publicação em 31 de maio de 2011

Conflito de interesses: Nenhum.

 

Endereço para correspondência:

Cláudia de Jesus Diogo

Rua Serra de Monchique lote 1729, Boa Agua 1

2975.174 Quinta do Conde, Sesimbra, Portugal

Fones: +351 212 106 188/ +351 913 698 743

E-mail: claudiajdiogo@sapo.pt

 

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RELATO DE CASO

Tumormaligno1.jpg 

Figura 1 – Tomografia computadorizada demonstrando múltiplos nódulos hepáticos, mais no lobo direito, e massa retroperitoneal com áreas hipodensas.

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Figura 2 – Tomografia computadorizada lombossacral, que revela lesões líticas em vários arcos costais e sacro, tendo este sido biopsado.

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Figura 3 – Biopsia hepática corada com Hematoxilinaeosina, revelando células fusiformes, pleomorfismo nuclear e índice mitótico elevado.

Tumormaligno4.jpg 

Figura 4 – Biopsia óssea, cuja imuno-histoquímica foi positiva para S-100.


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