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11_Histoplasmose_RBCM_v10_n1

Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jan-fev;10(1):61-4

Histoplasmose disseminada com cavitação pulmonar, padrão miliar e acometimento laringotraqueobrônquico em paciente imunocompetente. Relato de caso*

 

Disseminated histoplasmosis with cavitation, miliary laryngotracheobronchial and involvement in an immunocompetent patient. Case report

 

Marinus de Moraes Lima1, Fernanda Fonseca Costa1, Lysiane Maria Adeodato Ramos Fontenele1, Lílian Monteiro Albuquerque2, Maria Wanderleya de Lavor Coriolano3, Maiza Colares de Carvalho4

 

*Recebido do Serviço de Clínica Médica do Hospital Geral de Fortaleza. Fortaleza, CE.

RESUMO

 

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A histoplasmose disseminada é uma doença granulomatosa sistêmica, causada pelo Histoplasma capsulatum. Trata- se de doença de apresentação incomum em indivíduos imunocompetentes. Pode ser autolimitada ou subclínica, porém dependendo da imunidade, exposição e retardo no diagnóstico, a evolução pode ser grave. O objetivo deste es­tudo foi relatar o caso de paciente imunocompetente, com diagnóstico de histoplasmose disseminada.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 26 anos, com sintomas iniciais de odinofagia e dor à deglutição. Evoluiu com tosse produtiva, febre vespertina e perda ponderal de 10 kg. Os resultados da radiografia de tórax, tomografia computadorizada e laringoscopia direta evidenciaram cavitação em terço superior de hemitórax direito e lesão de natureza granulomatosa. Discutiu-se a possibilidade de tuberculose pulmonar e laríngea, iniciando o uso de poliquimioterapia com rifampicina, isoniazida e pirazinamida (RIP). Após três meses, ainda apresentava febre, hiporexia, disfonia e emagrecimento, evoluindo com taquicardia, taquipneia, queda global do estado geral, persistência da tosse e odinofagia, sendo iniciado tratamento com cefepima. Com a piora progressiva, foi iniciado anfotericina B, mantendo-se o uso de rifampicina e isoniazida e posteriormente mantido anfotericina B e substituído por itraconazol.

CONCLUSÃO: Essa infecção assemelha-se à tuberculose pulmonar, fazendo parte do diagnóstico diferencial; o diagnóstico se dá com realização de exames micológicos, sendo os principais exames a cultura e colorações específicas, como foi realizado. Indica-se o tratamento inicial com anfotericina B e posteriormente com itraconazol por seis meses.

Descritores: Anfotericina B, Histoplasmose, Imunocompetência.

 

SUMMARY

 

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Disseminated histoplasmosis is a systemic granulomatous disease caused by histoplasma capsulatum. It is rather uncommon disease in immunocompetent patients. Can be self-limited or subclinical, but depending on the immunity, exposure and delay in diagnosis, evolution can be severe. The purpose of this study as everything was to report the case of an immunocompetent patient with disseminated histoplasmosis.

CASE REPORT: Male patient, 26 years, with initial symptoms of sore throat and pain on swallowing. Evolved with productive cough, evening fever and weight loss of 10 kg. From the results of chest radiography, computed tomography and direct laryngoscopy, which cavitation in the upper third of right hemithorax and granulomatous lesion in nature, was discussed the possibility of pulmonary tuberculosis and larynx, beginning the use of multidrug therapy with rifampin, isoniazid and pyrazinamide (RIP). After three months, still had fever, appetite loss, dysphonia and weight loss, progressing to tachycardia, tachypnea, overall decline in general health, persistent cough and sore throat, being launched cefepime. With the progressive worsening, amphotericin B was started, keeping the use of rifampicin and isoniazid and subsequently maintained and replaced with amphotericin B and itraconazole.

CONCLUSION: This infection is similar to pulmonary tuberculosis, making the differential diagnosis, and diagnosis is with mycological examinations and that the primary culture and specific stains, as was done in the case. It indicates the initial treatment with amphotericin B, followed by itraconazole for six months.

Keywords: Amphotericin B, Histoplasmosis, Immunocom­petence.

 

INTRODUÇÃO

 

A histoplasmose é uma doença infecciosa sistêmica, que afeta seres humanos, causada pelo Histoplasma capsulatum, fungo dimórfico isolado a partir de solos contaminados e ricos em fezes de aves e morcegos. Usualmente produz infecção pulmonar autolimitada, caracterizada por lesões microgranulomatosas e em algumas ocasiões, assintomática1-3.

A infecção sistêmica, denominada histoplasmose disseminada é mais frequente em pacientes que possuem algum transtorno da imunidade celular, como ocorre em pacientes com o vírus da imunodeficiência humana positivo, paciente em uso crônico de esteroides e outros imunossupressores e em indivíduos com doenças hematológicas malignas; ou os submetidos a transplantes de órgãos1.

Similarmente a outras micoses sistêmicas, a exposição inicial é inalatória, sendo o acometimento pulmonar a forma predominante de sua apresentação3. A presença destas manifestações pulmonares pode vir a confundi-la com outras doenças pulmonares.

O objetivo deste es­tudo foi relatar o caso de paciente imunocompetente, com diagnóstico de histoplasmose disseminada, apresentando cavitação pulmonar, simulando um quadro de tuberculose.

 

RELATO DO CASO

 

Paciente do sexo masculino, 26 anos, natural e procedente de Fortaleza, auxiliar de costura, união estável há sete anos, católico. Iniciou quadro de odinofagia com dor à deglutição de sólidos e líquidos em junho de 2009. Evoluiu com tosse produtiva, expectoração esbranquiçada mais intensa ao fim do dia, uma semana após o início do quadro. Apresentava ainda febre vespertina (38,5º C) que melhorava com paracetamol. Apresentou perda ponderal de 10 kg no período. Procurou assistência médica e foi iniciado levofloxacino, sem melhora do quadro. Procurou novamente atendimento, sendo ponderada tuberculose (TB) pulmonar como hipótese diagnóstica por conta do padrão radiográfico, apresar de escarro negativo e PPD não reator.

Foi iniciado esquema com RIP (rifampicina, isoniazida, pirazinamida) no inicio de julho de 2009. Apresentou melhora da tosse, mas com persistência da odinofagia. Procurou o serviço de Otorrinolaringologia e realizou tratamento para faringite, sem sucesso. Ao final do mês, foi internado no Hospital Geral de Fortaleza. Na enfermaria, encontrava-se com odinofagia, tosse com expectoração esverdeada, com atenuação do quadro. Nessa internação, realizou laringoscopia direta onde foi evidenciada lesão de natureza granulomatosa. Recebeu alta e foi indicado tratamento ambulatorial de TB pulmonar e possível TB laríngea, permanecendo o uso do esquema RIP (Figuras 1 e 2).

O paciente permaneceu em acompanhamento ambulatorial, porém sem melhora, mesmo em uso regular do esquema RIP. Apresentava febre intermitente associada à hiporrexia e importante emagrecimento. Conforme orientado na última internação, retornou ao ambulatório da otorrinolaringologia, onde realizou nova laringoscopia direta que mantinha o achado de lesão granulomatosa de laringe com dois meses. Devido ao resultado, foi decidida sua internação para realização de biópsia da lesão da laringe. Tentada a primeira biópsia, o resultado foi inconclusivo. Evoluiu com piora do estado geral, febre persistente, taquicardia, taquipneia, persistência da tosse e odinofagia, sendo iniciado cefepima; com a piora da odinofagia, passou a não aceitar dieta oral sendo inserida sonda nasogástrica (SNG) e iniciada dieta enteral. Pela gravidade do quadro, o paciente foi transferido para a enfermaria de Clínica Médica.

Ao avaliar os exames do paciente, observou-se linfopenia com VHS e PCR elevados; na radiografia de tórax observou-se padrão intersticial nodular com aumento da cavitação em lobo superior direito (Figura 3). Por conta da persistência da febre e piora progressiva do estado geral, foi substituída cefepima por tazocin e iniciada vancomicina. Em seguida, foi iniciada anfotericina B empiricamente, mantendo-se o uso de rifampicina e isoniazida.

Foi realizada broncoscopia, na qual foram visualizadas lesões granulomatosas em toda extensão da árvore respiratória. Realizada nova tomografia computadorizada (TC), na qual se constatou progressão da cavitação à direita, com padrão miliar intersticial (Figura 3).

Foi pesquisada a possibilidade de imunodeficiência adquirida, sendo negativa. Também foi investigado para imunodeficiências primárias, com a pesquisa de imunoglobulinas, as quais foram normais. Na investigação epidemiológica, averiguou-se que o paciente não possuía história de viagens, contato com morcegos e banho de rio; relatou contato com pombos. O LDH era 2300. As culturas para germes piogênicos foram negativas e não havia alteração no sumário de urina.

Com o uso da anfotericina, evoluiu com melhora progressiva do estado geral e afebril, optando-se por mantê-lo como único antimicrobiano. Foi retirada a sonda nasogástrica e feita progressão da dieta, com boa aceitação e ganho de peso. A disfonia e rouquidão foram melhorando progressivamente. Apresentou melhora radiológica importante (Figuras 4 e 5). Completou 750 mg de anfotericina B, sendo substituída por itraconazol (100 mg) duas vezes ao dia. A biópsia transbrônquica evidenciou presença de fibrose e diminuição dos capilares alveolares, além de espessamento septal e presença de células epitelioides, com esboço vago de granulomas epitelioides, sem necrose e sem células gigantes na amostragem avaliada. A pesquisa para fungos pela coloração histoquímica (GROCOTT) revelou a presença de estruturas fúngicas com esporulação. A pesquisa de BAAR foi negativa. Houve crescimento na cultura do lavado broncoalveolar de Histoplasma capsulatum, concluindo o diagnóstico de histoplasmose. Paciente obteve alta hospitalar após um mês desta internação.

 

DISCUSSÃO

 

A histoplasmose é uma infecção sistêmica, causada por um fungo dimórfico, denominado Histoplasma capsulatum, descrito pela primeira vez por Darling em 1906. Trata-se de uma doença endêmica, especialmente nos vales de Ohio, Mississipi e Missouri nos Estados Unidos, no Caribe e na America do Sul4.

A infecção é adquirida por inalação, chegando os microconídeos aos alvéolos pulmonares e sendo fagocitados pelos macrófagos, formando granulomas que podem se calcificar. Geralmente causa infecções autolimitadas em pacientes imunocompetentes, mas pode se disseminar em pessoas com comprometimento da imunidade4.

A infecção geralmente ocorre pela inalação dos microconídeos dispersos pelo ar durante atividades laborais ou recreativas que envolvam solos contaminados com fezes de morcego ou de aves em prédios antigos, pontes ou cavernas4. No Brasil, pode ser encontrado em vários estados, como no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. O espectro clínico da doença varia entre infecção pulmonar aguda, infecção pulmonar crônica e forma disseminada, essa última acometendo, principalmente, pacientes imunocomprometidos4.

No caso relatado, chama atenção o fato de tratar-se de paciente imunocompetente, com retardo diagnóstico pela semelhança do quadro e padrões radiográficos com a tuberculose pulmonar e posteriormente a presença da infecção disseminada.

A infecção sintomática aguda por Histoplasma capsulatum é observada em menos de 1% dos infectados, visto que a maioria dos pacientes não apresenta sintomas, ou esses são de leve intensidade e acabam não sendo relacionados à histoplasmose. Além disso, a doença costuma ter curso autolimitado. Esses fatores contribuem para que a doença seja subdiagnosticada, o que pode levar à instituição de terapêutica empírica para tuberculose3.

As manifestações sistêmicas são inespecíficas e incluem fadiga, febre, sudorese noturna, anorexia e perda ponderal. Fazem parte dos sintomas pulmonares, a tosse produtiva e a dispneia, quadro semelhante ao desenvolvido na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)3.

A gravidade da doença está na dependência da intensidade da exposição, da quantidade de esporos inalados e da imunidade do hospedeiro. Em indivíduos saudáveis, uma baixa intensidade de exposição frequentemente causa infecção assintomática ou pouco sintomática, com curso autolimitado. Quando ocorre intensa exposição, os indivíduos podem apresentar doença pulmonar grave levando à falência respiratória e até mesmo à morte5.

Este achado leva a se especular que no caso investigado tratou-se de alta e prolongada exposição, a qual resultou na infecção observada.

A histoplasmose, nas suas formas agudas, é uma doença de regressão espontânea. A forma assintomática ou pouco sintomática é a mais frequente, que muitas vezes passa despercebida, por ser confundida com a gripe.

A forma chamada de histoplasmose pulmonar aguda ou epidêmica pode se apresentar ao clínico como casos isolados, de difícil diagnóstico, ou sob a forma de microepidemias, de mais fácil diagnóstico, de curso benigno, cujos sintomas são dependentes de maior ou menor exposição aos propágulos infectantes. Febre, tosse pouco produtiva persistente, cefaleia, astenia, dor retroesternal e prostração intensa são frequentes. A palidez cutânea é um sinal marcante. O aumento dos gânglios linfáticos superficiais e a hepatoesplenomegalia são achados característicos da forma pulmonar difusa aguda. Os sinais físicos pulmonares são inexpressivos5,6.

O período de incubação varia de 3 a 14 dias. Os achados radiológicos mais frequentes nessa forma clínica são as linfonodomegalias hilares bilaterais com infiltrado retículonodular bilateral. Quando a linfonodomegalia hilar é unilateral, esse aspecto é indistinguível do complexo primário da tuberculose pulmonar5.

Com relação ao tratamento, a anfotericina B ou seus derivados lipossomais são provavelmente mais efetivos na doença grave do que o itraconazol. A depuração da fungemia é mais rápida com a anfotericina B, que tem a vantagem de ser fungicida, mas com muito mais efeitos colaterais. A terapêutica exige ainda a internação. Os critérios de internação incluem hipoxemia, hipotensão sistólica, depressão da medula óssea, creatinina sanguínea três vezes superior ao limite normal, icterícia, aumento de cinco vezes do limite superior das transaminases séricas, discrasia sanguínea e comprometimento do sistema nervoso central (SNC)5.

Para o tratamento domiciliar ambulatorial, o itraconazol é o medicamento de escolha5, tendo sido implementada esta conduta na manutenção do antifúngico por seis meses, com acompanhamento no ambulatório mensalmente.

 

CONCLUSÃO

 

A histoplasmose é uma infecção fúngica sistêmica relacionada principalmente com alterações na imunidade celular, porém durante investigação de lesões cavitárias granulosas pulmonares, deve-se atentar para a possibilidade desta infecção, tendo em vista que a gravidade está dependente da imunidade, como também da dose fúngica inalada e do tempo de exposição.

O caso foi conduzido de forma profícua, porém destaca-se a presença do retardo no diagnóstico, principalmente pela semelhança com a tuberculose pulmonar.

 

REFERÊNCIAS

 

1. Lizarazo J, Gutiérrez P, Chaves O, et al. Histoplasmosis localizada del sistema nervioso central en un niño inmunocompetente Acta Neurol Colomb 2010;26(2):120-5.

2. González JMG, Alonso SC, Tápanes HC, et al. Histoplasmosis hepática. A propósito de un caso. Revista Médica Electrónica 2009;31(2). Disponível em: < http://www.revmatanzas.sld.cu/revistamedica/ano2009/vol22009/tema13.htm>. Acesso em: 16 jan. 2011.

3. Santos JW, Michel GT, Lazzarotto M, et al. Chronic cavitary pulmonar histoplasmosis. J Bras Pneumol 2009;35(11):1161-4.

4. Alva E, Vasquez J, Frisancho O, et al. Colonic histoplasmosis as a diagnostic manifestation of AIDS. Rev Gastroenterol 2010;30(2):163-6.

5. Aidé MA. Chapter 4--histoplasmose. J Bras Pneumol 2009;35(11):1145-51.

6. Massaro M, Pacheco CD, Roldán M. Histoplasmosis pulmonar: infección pulmonar primaria: histoplasmoma. Rev Colomb Radiol 2005;16(3):1788-90.

1. Residente em Clínica Médica do Hospital Geral de Fortaleza. Fortaleza, CE, Brasil

2. Acadêmica de Internato da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil

3. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil.

4. Chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Geral de Fortaleza. Fortaleza, CE, Brasil

 

Apresentado em 24 de janeiro de 2011

Aceito para publicação em 14 de setembro de 2011

 

Endereço para correspondência:

Dr. Marinus de Moraes Lima

Rua Pereira de Miranda, 1075/1701 – Papicu

60175-045 Fortaleza, CE.

Fone: (85) 9944-7708

E-mail: marinuslima@yahoo.com.br

 

© Sociedade Brasileira de Clínica Médica

RELATO DE CASO

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Figura 1 – Infiltrado alvéolo-instersticial em ápice de pulmão direito, com cavitação

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Figura 2 – Achados tomográficos de cavitação (ápice pulmonar D) espessamentos septais; áreas de vidro fosco e árvore em brotamentos sugestivos de TB pulmonar em atividade com sinais de disseminação broncogênica

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Figura 3 – Radiografia de tórax no início da segunda internação

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Figura 4 – Micronódulos difusos com distribuição miliar com alguns aspectos de “árvore em brotamento”; cavitações pulmonares bilaterais, com paredes espessas e irregulares nos segmentos apical, anterior e posterior do lobo superior direito.

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Figura 5 – Radiografia ao final da segunda internação

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Figura 6 – Tomografia computadorizada de alta resolução ao final da segunda internação


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