Escore de Cálcio (percentil) |
||
Ultrassom |
0-50 |
50-100 |
Sem EH (n = 33) |
26 (78,78%) |
7 (21,21%) |
EH I (n = 39) |
19 (48,71%) |
20 (51,28%) |
EH II/III (n = 36) |
3 (8,33%) |
33 (91,66%) |
DISCUSSÃO
A EH, o exemplo mais comum de doença hepática crônica, é caracterizada pelo aumento de deposição de triglicerídeos nos hepatócitos5. Apesar da história natural da lesão hepática ainda permanecer desconhecida, esta doença tem sido cada vez mais pesquisada, tendo em vista sua associação frequente com fatores de risco cardiovasculares e uma possibilidade de incremento de risco cardiovascular por ela determinada6.
Na SM, existe um estado de disfunção do metabolismo lipídico e glicídico. O fígado, como órgão responsável pelo processamento dos ácidos graxos livres por meio de sua captação, oxidação ou metabolização, também sofre as consequências desse desequilíbrio. Essa alteração seria traduzida pelo aparecimento da EH5. É inegável o papel das adipocinas nesta relação da EH com a SM. Mudanças estruturais e bioquímicas dos adipócitos parecem ser as maiores responsáveis pelo surgimento da SM. Alguns polimorfismos têm sido descritos na gênese da obesidade que, em conjunto com hábitos de vida inadequados, podem deflagrar o aumento da resistência adipocitária à insulina e uma maior liberação de ácidos graxos livres4. A leptina, uma adipocina associada ao excesso de peso, parece ser responsável por maior oxidação dos ácidos graxos por tecidos sensíveis à insulina. No fígado, essa metabolização leva a uma maior neoglicogênese, que se perpetua e é aumentada por um estado de hiperinsulinemia compensatória, o qual ocorre para tentar manter a homeostase da glicemia. Todos esses fatores contribuem para a deposição lipídica no tecido hepático. Além disto, na EH, algumas adipocinas também passam a ser secretadas pelos hepatócitos, instalando um permanente estado de inflamação hepática, que pode liberar fatores sistêmicos e pró-trombóticos, desencadeadores de progressão de aterosclerose e de ruptura de placa5.
Para o presente estudo, selecionaram-se pacientes portadores de SM, combinando-se um mínimo de três dos cinco possíveis fatores, de modo a se chegar a esse diagnóstico. Para tanto, obedeceram-se os critérios que diferem em ambos os sexos, de acordo com a NCEP-ATP III1. Quando se compararam os grupos sem EH, com EH I e EH II e III, essa separação deixou de ser necessária, tendo em vista a distribuição equivalente dos gêneros em cada um dos grupos analisados.
A presença de EH em uma população com aterosclerose estabelecida tem sido crescente na literatura6,7. Entretanto, até o momento, a associação entre a mensuração ultrassonográfica de EH, a mais frequente no cotidiano clínico, e a presença de cálcio coronariano não havia sido tão claramente demonstrada. A EH é resultado de uma quantidade muito grande de fenômenos bioquímicos que refletem, provavelmente, de forma mais completa do que os fatores isolados da SM, a presença de fatores pró-trombóticos e desencadeadores de disfunção endotelial. É provável que, além de possível causa direta de disfunção endotelial e aterosclerose, a EH seja, mais provavelmente, um marcador bastante complexo de disglicemia e disfunções no metabolismo lipídico, o que a insere como possível marcador de aterosclerose. Assim sendo, esses e outros estudos abrem a perspectiva do uso da ultrassonografia hepática como método útil na predição de eventos cardiovasculares.
Finalmente, vale citar que a medida manual da circunferência abdominal foi, nessa amostra, mais eficiente para predizer gordura visceral (EH) do que o IMC, o que demonstra a validade de um método clínico de fácil acesso e que pode ser realizado por profissionais de saúde treinados. Além disso, o HDL-colesterol demonstrou associação significativa com EH, o que não ocorreu com a dosagem de triglicerídeos. Tal fato pode significar que essa mensuração é mais fiel do que a hipertrigliceridemia em identificar resistência à insulina, sendo necessários mais estudos para essa conclusão.
Dentre as possíveis limitações do estudo devem-se citar que a presença de cálcio coronariano não significa obrigatoriamente estenose crítica de alguma artéria e a ausência desse fator não exclui a possibilidade de aterosclerose, com placas não calcificadas. Entretanto, estudos foram capazes de demonstrar o escore de cálcio como um preditor de eventos cardiovasculares10 e de mortalidade11. Obviamente, por este não se tratar de um trabalho longitudinal o seu resultado permite inferir, mas não concluir, que a EH seria fator preditor de risco cardiovascular nessa amostra. Ainda, com relação aos critérios de seleção, é imperativo afirmar que a inserção de pacientes diabéticos deve-se ao fato de que a presença dessa doença não exclui o diagnóstico de SM1. Finalmente, vale ressaltar que a exclusão de pacientes com sintomas de coronariopatia não garante a ausência de doença coronariana nessa população tendo em vista a não realização de coronariografia ou angiotomografia nos pacientes do estudo.
CONCLUSÃO
A EH e sua gravidade estiveram associados à calcificação coronária mais acentuada na população estudada. Por sua vez, HDL-colesterol reduzido e circunferência abdominal aumentada estiveram relacionados com EH na amostra avaliada.
REFERÊNCIAS
1. Grundy SM, Hansen B, Smith SC Jr, et al. Clinical management of metabolic syndrome: report of the American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute/American Diabetes Association conference on scientific issues related to management. Circulation 2004;109(4):551-6.
2. LaMonte MJ, Barlow CE, Jurca R, et al. Cardiorespiratory fitness is inversely associated with the incidence of metabolic syndrome: a prospective study of men and women. Circulation 2005;112(4):505-12.
3. Ford ES, Giles WH. A comparison of the prevalence of the metabolic syndrome using two proposed definitions. Diabetes Care 2003;26(3):575-81.
4. Després JP. Our passive lifestyle, our toxic diet, and the atherogenic/diabetogenic metabolic syndrome: can we afford to be sedentary and unfit? Circulation 2005;112(4):453-55.
5. Hamaguchi M, Kojima T, Takeda N, et al. The metabolic syndrome as a predictor of nonalcoholic fatty liver disease. Ann Intern Med 2005;143(10):722-8.
6. Targher G, Bertolini L, Padovani R, et al. Relations between carotid artery wall thickness and liver histology in subjects with nonalcoholic fatty liver disease. Diabetes Care 2006;29(6):1325-30.
7. Ibebuogu UN, Ahmadi N, Hajsadeghi F, et al. Measures of coronary artery calcification and association with the metabolic syndrome and diabetes. J Cardiometab Syndr 2009;4(1):6-11.
8. Hoff JA, Chomka EV, Krainik AJ, et al. Age and gender distributions of coronary artery calcium detected by electron beam tomography in 35,246 adults. Am J Cardiol 2001;87(12):1335-9.
9. Rumack CM, Wilson SR, Charboneau WJ. Diagnostic Ultrasound. 2004, Mosby. ISBN 0323020232.
10. Chang SM, Nabi F, Xu J, et al. The coronary artery calcium score and stress myocardial perfusion imaging provide independent and complementary prediction of cardiac risk. J Am Coll Cardiol 2009;54(20):1872-82.
11. Raggi P, Gongora MC, Gopal A, et al. Coronary artery calcium to predict all-cause mortality in elderly men and women. J Am Coll Cardiol 2008;52(1):17-23.
1. Doutor em Medicina Interna, Professor de Cardiologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Curitiba, PR, Brasil
2. Doutora em Endocrinologia, Professora de Endocrinologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR, Brasil
3. Doutor em Ciências da Saúde, Professor de Semiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR, Brasil
4. Especialista em Radiologia, Mestrando em Medicina Interna. Curitiba, PR, Brasil
5. Doutora em Ciências da Saúde, Professora de Bioestatística da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba, PR, Brasil
6. Doutor em Cardiologia. Professor de Cardiologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba, PR, Brasil
7. Doutor em Cardiologia, Professor de Cardiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR, Brasil
Apresentado em 05 de outubro de 2011
Aceito para publicação em 19 de dezembro de 2011
Endereço para correspondência:
Dr. José Knopfholz
Rua Imaculada Conceição, 1155
80215-901 Curitiba, PR.
E-mail: jknopfholz@hotmail.com
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Artigo Original
Tabela 1 - Estatísticas descritivas do perfil clínico, bioquímico e circunferência abdominal dos pacientes (n = 104)
Variáveis |
Primeiro Quartil |
Terceiro Quartil |
Mediana |
Média ± DP |
Glicemia (mg/dL) |
92,6 |
121,8 |
109,4 |
112,0 ± 14,4 |
Triglicerídeos (mg/dL) |
144,0 |
267,5 |
199,7 |
211,0 ± 89,6 |
HDL (mg/dL) – masculino |
19,0 |
31,0 |
29,0 |
32,8 ± 6,3 |
HDL (mg/dL) – feminino |
36,2 |
47,3 |
37,0 |
41,9 ± 8,5 |
LDL (mg/dL) |
119,7 |
155,3 |
143,0 |
144,7 ± 42,1 |
PAS (mmHg) |
148,0 |
162,0 |
158,0 |
156,9 ± 15,9 |
PAD (mmHg) |
88,0 |
94,0 |
93,0 |
92,7 ± 6,4 |
IMC (kg/m2) |
28,3 |
37,4 |
30,3 |
30,4 ± 7,2 |
CA (cm) – masculino |
106,0 |
113,0 |
106,0 |
108,6 ± 5,0 |
CA (cm) – feminino |
99,0 |
111,0 |
108,0 |
107,0 ± 7,6 |
PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial diastólica; LDL = colesterol LDL; HDL = colesterol HDL; IMC = índice de massa corpórea; CA = circunferência abdominal
Tabela 2 – Média ± desvio-padrão das variáveis relativas ao perfil bioquímico em relação aos grupos com diferentes graus de esteatose
Variáveis |
Sem Esteatose (n = 33) |
EH I (n = 39) |
EH II / III (n = 36) |
Valor de p |
Glicemia (mg/dL) |
101,3 ± 12,2 |
105,4 ± 14,5 |
110,9 ± 15,6 |
0,109 |
Triglicerídeos (mg/dL) |
204,9 ± 74,7 |
211,2 ± 84 |
211,9 ± 110,9 |
0,916 |
CA (cm) |
101,4± 7,2 |
104,9 ± 6,9 |
110,8 ± 6,3 |
0,003 |
IMC (kg/m2) |
33,8± 5,4 |
35,2± 6,4 |
36,4± 4,3 |
0,193 |
PAS (mmHg) |
141,6 ± 17,3 |
157,2 ± 13,1 |
156,9 ± 15,7 |
0,298 |
PAD (mmHg) |
89,4 ± 10,9 |
92,3 ± 9,5 |
92,9 ± 8,8 |
0,475 |
LDL (mg/dL) |
135,4 ± 29,9 |
144,9 ± 29,3 |
143 ± 41,4 |
0,514 |
HDL (mg/dL) |
39,0 ± 7,2 |
36,6 ± 9,4 |
33,8 ± 4,4 |
0,015 |
CA = circunferência abdominal; PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial diastólica; LDL = colesterol LDL; HDL = colesterol HDL